Aeroporto Tempelhof – voar por cima do Muro de Berlim

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Há poucas semanas tive o prazer de visitar o histórico aeroporto de Tempelhof durante umas férias em Berlim.

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Começo por esclarecer que o aeroporto ficou imortalizado pelo Bloqueio de Berlim Oeste, que ocorreu em 1949. O célebre Muro de Berlim foi erguido em já em 1961, e perdurou até 1989. Tempelhof abriu em 1923. Foi base da Lufthansa original constituída em 1926 e encerrada com a Segunda Guerra, que se servia do inovador terminal construído em 1934. Era na altura o que Heathrow, JFK, CDG ou Dubai são hoje em dia, e Hitler queria que fosse a porta de entrada na mega capital no império Nazi, desenhada por Albert Speer, o arquiteto do III Reich.

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O Aeroporto Tempelhof fica dentro da cidade três quilómetros abaixo do centro histórico. Fui a pé desde as Portas de Brandeburgo, passando ao lado do memorial aos Judeus destruídos no Holocausto, e pelo Checkpoint Charlie. Após assinado o armistício em 1945, quatro potências aliadas tomaram conta de Berlim, um enclave na parte da Alemanha invadida pelos soviéticos. A parte Oeste da cidade correspondia à zona francesa, inglesa e americana. À medida que se cozinhava a guerra fria, tornava-se um embaraço para a União Soviética haver um oásis de liberdade e prosperidade a ofuscar a cinzenta parte socialista, na qual germinou o Trabant e o jato de passageiros mais estranho de sempre, o Baade 152. As relações entre os vencedores da Guerra degradaram-se rapidamente, com os soviéticos a introduzir complicações ao trânsito e transporte por via terrestes até à entrada da porção de Berlim fora do seu controlo. A última gota de água foi a reposição de um novo Marco Alemão por parte das potências ocidentais, substituindo o Reichsmark claramente inflacionado pelos soviéticos para manter uma economia instável e nivelada com o resto do fracasso da URSS. O apocalipse dá-se em Junho de 1948 com o encerramento das ligações rodoferroviárias e o lançamento do “Ostmark” pelos soviéticos. Restavam três corredores aéreos, por escrito no pacto, que davam acesso a Berlim Oeste. A solução passava pela montagem de uma logística de escala inédita, para fornecer comida, carvão tanto a militares como civis, rodeados por um milhão e meio de soldados russos, não acreditando Estaline que os ocidentais se chegassem à frente, na sua mente sociopata convencido que qualquer reposta seria pela força, neste caso impossível dada a inferioridade numérica militar. Subestimou as motivações das três potências ocidentais, que face a uma catástrofe iminente – havia pouco mais de um mês de reservas de alimentos – decidiram por em prática a mais impressionante manobra aérea de História, que hoje em dia causaria admiração à FedEx ou DHL. Em Frankfurt os americanos montaram um hub de onde operavam voos com C-54 e C-47 para Tempelhof.

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Os ingleses operavam para a base da RAF em Gatow com Short Sunderland, de vários sítios onde se inclui a fábrica atual da Airbus em Finkerweder. Inicialmente o transporte previa fazer chegar 5000 toneladas por dia a Berlim, mas com a intransigência da URSS, o Inverno chegou e impôs mais 1500 de carvão. Dada a insuficiência de Templehof e Gatow os franceses iniciaram a construção de uma pista junto ao lago Tegel. O bloqueio prevaleceu 15 durante meses até se chegar a uma solução diplomática, terminando a 30 de Maio 1949, com  2,3 milhões de  toneladas aerotransportadas em 278 288 voos. No auge da operação chegou a verificar-se uma aterragem a cada 30 segundos em Berlim. A grande parte dos voos efetuou-se em aviões militares da Douglas, mas os civis tiveram papeis ativo, entre eles hidroaviões da conhecidíssima Aquila Airways.

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Após o levantado o bloqueio, imediatamente as potências do Oeste tomaram em mãos a expansão da capacidade logística aérea, Berlim tinha de resistir a ser engolida pela malha da Cortina de Ferro. Os britânicos melhoraram as condições da base da RAF Gatow, e o mesmo se verificou com o Aeroporto de Berlin Tegel (TXL), de onde a “nova” Lufthansa voou direto para a Madeira. Gatow encerrou operações em 1994, após decisão da Luftwaffe. Com a demolição do Muro em 1989 o panorama aeroportuário foi revisto. A estratégia passa por expandir ao aeroporto de Berlim Leste Schönefeld, adicionando uma segunda pista e nova gare, acolhendo o tráfego de Tegel e Tempelhof. Tegel é atualmente o aeroporto comercial de referencia a servir Berlim, mas tem fim vaticinado com a entrada em operação de  Aeroporto de Berlim-Brandeburgo (a opinião do autor é de grande ceticismo tanto em relação à sensatez da medida como em que alguma vez se venha concretizar o fecho total de TXL). A primeira vítima foi Tempelhof, o mais pequeno, e mais apetecível para empreendimentos imobiliários. Apesar da pouca relevância em termos de trafego, tinha duas pistas e recebeu o Boeing 747, o Lockheed L-1011 Tristar e o C-5A Galaxy. Pese a forte oposição da população local acabou ser mesmo encerrado à operação aérea em 2008, ao falhar o mínimo de votos em contra num referendo. A última descolagem foi feita por um Antonov An2 a 24 de Novembro, embora tenha havido mais uma aterragem em 2010 – quando um Tobago aterrou de emergência sem combustível. Ficou designado como parque urbano desde então, usado para piqueniques, jogging, eventos desportivos, intocado para não perturbar o habitat natural. O município tentou revogar a missão de parque lúdico para autorizar construção na zona verde (superior à totalidade do Mónaco), mas no referendo de 2014, o “não” venceu.

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O resultado de tudo isto é a combinação mais estranha e anacrónica possível. Um aeroporto com arquitetura centenária, com uma forma modernista invulgar, mas equipado como um atual. Está um pouco desocupado, os parques de estacionamento vazios, mas não decrépito, e a gare é usada como quartel da polícia, para eventos e muito mais coisas.

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Paradoxalmente a torre de controlo ainda funciona, usada pelos militares alemães para monitorizar tráfego aéreo. A zona de manobra está aberta ao público, mas dividida por uma grade. Do lado das pistas é o parque propriamente dito, pode-se andar a pé ou de bicicleta pelas taxiways e pistas que ainda ostentam marcações, estão ainda postas as luzes, equipamentos de ILS, e nem dá a ideia que não haja voos.

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Do lado de lá está a magnífica gare, com os hangares a fazerem a curva de 1,23 km, sem qualquer pilar. O semicírculo imitava as asas estendidas de uma águia.

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Um DC-4 alusivo ao bloqueio está junto à gare como se tivesse aterrado há pouco. Vintage puro.

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