Decorria o Verão de 1983.
O então líder presidencial e ditador da República Centro-Africana, Imperador (como gostava de ser chamado) Jean-Bédel Bokassa, que iria ficar anos mais tarde mundialmente conhecido por alguns crimes atrozes contra o seu povo, estava exilado envolto em algum secretismo por terras da Costa do Marfim.
Tentando a todo o custo restabelecer o poder no seu país de origem, planejava habilmente uma ardilosa maneira de para lá voltar sem grandes alaridos.
Eis então que após alguns contactos dos Serviços Secretos Franceses, e que segundo consta também tinham alguns elementos de topo interessados no reaver do “trono” por parte do Sr. Bokassa, eis que sem menos esperar aparece um forte aliado para o ajudar neste novo agarrar do seu tão cobiçado trono.
O novo aliado, e bem forte por sinal, era um Sheik que vivia e negociava lá para as bandas do Qatar, principalmente nos ramos das pedras preciosas como os diamantes, e que dava pelo nome de Onama Siraj Zahran.
O contrato seria bem simples… Siraj Zahran ajudaria Bokassa em logística e monetariamente fornecendo cerca de 2 milhões de francos franceses, logo assim de rajada para a altura, e em contrapartida Bokassa comprometia-sa a deixar o Sheik ficar com o quase controle total do negócio dos diaamantes e restantes pedras preciosas extraídas e comercializadas por terras da República Centro-Africana, enquanto Bokassa por lá reinasse.
No nível logístico estava englobado o “empréstimo” do seu Caravelle para a missão de restituição do poder… A esta missão preparada em sigilo por uma ala dos serviços secretos franceses, um grupo de homens fortes de negócios englobando não só pessoal francófono, como também alguns homens e mulheres de Leste, liderada pelo Sheik Zahran, dar-se-ia o nome código de “Operação Escorpião”.
E no quanto possível do sigilo, pelas primeiras horas da manhã do dia 27 de Novembro de 1983 descolava de Le Bourget, em Paris, o Caravelle do nosso amigo Sheik S. Z.
A aeronave em causa era um modelo SE210-III oficialmente registado em Monróvia-RobertsField como EL-AAG (c/n 254) e pertença da companhia liberiana de aviação, a Atlantic Aviation Services, tendo iniciado a sua carreira na Royal Air Maroc, passando ainda pela egípcia Air Alexandrie.
O plano não era muito complicado… e basicamente o menu era este:
Depois de descolados pelo cmdte. André Vergniole, homem experiente vindo das Forças Aéreas Francesas, rumariam a Abidjan, emitindo no entanto um FPL como destino Tamanrasset, na Argélia, onde teriam de abastecer devido ao fraco raio de acção da aeronave. Depois então em Abidjan “recolheriam” sob o disfarce da noite o Presidente Bokassa. A bordo entre algumas pessoas inerentes ao voo tais como restante tripulação, jornalistas e afins, seguia ainda um conceituado coreógrafo e estilista soviético de nome Vladimir T. encarregado de, durante o voo, levar e vestir ao rigor o presidente Bokassa com o seu uniforme de “Imperador” e respectivos ornamentos e decorações, para assim que desembarcasse na sua capital, Bangui, estivesse todo vistoso. Aterrariam se nada falhasse em Abidjan pelo entardecer e então assim que anoitecesse o nosso falado Presidente, já com “uma ajuda” também avançada por staff em Abidjan entraria para o nosso Caravelle como segundo Piloto-Comandante disfarçado, envergando uma farda emprestada de homem dos ares.
A seguir era alocar ao nosso Caravelle um plano de voo entre Abidjan e Kartum no Sudão, e ali pelas zonas de meio da rota ao sobrevoar território da RCA declarar um problema técnico com pedido de aterragem imediata e levar o estojo até ao chão no aeroporto de Mpoko em Bangui, capital da nossa RCA-República Centro Africana.
Assim que aterrasse em Bangui era só ligar-se ao resto do seu pessoal fiel que já lá esperava por ele em segredo, rumando ao seu Palácio Presidencial.
Seria tudo muito simples se após a aterragem no horário previsto em Abidjan por volta das 17h40 locais alguém não tivesse já “dado com a língua nos dentes”…e assim que o nosso cmdte. Vergniole saiu cá para fora a fim de tratar das burocracias dos abastecimentos e afins, deparou-se logo com um pelotão armado até aos dentes do Exército Costa-Marfinense. Obviamente a viagem ficava por ali e não seria desta que Bokassa regressaria ao seu país nem tão pouco a “Operação Escorpião” tinha triunfado.
No entanto o nosso Sheik Onama Siraj Zahran habilmente safou-se mais ou menos desta e pelo menos conseguiu reaver o seu querido Caravelle e no seguimento até lhe deu uma matrícula bem pessoal como EL-OSZ, e mandando pintar num verdinho bem alegre e catita na sua cauda um SZ gigante e bem estilizado, como quem não queria a coisa sem ter de dar muitas satisfações J.
Quanto ao operador em si, a AAS da Libéria acabaria por ser transformada em AirFast com base e registo em terras cipriotas por finais de 1988.
Para curiosidade este Caravelle depois de ter estado uns tempos “preso” em Paphos, no Chipre, devido a algumas irregularidades, acabaria por ser vendido à companhia zairense, Fontshi Aviation, indo acabar o resto dos seus dias na capital Kinshasa, onde ainda hoje apodrece sob o Sol africano.
Foto: PropFreak
Cesário Fernandes