Fui invadido por aquela sensação de quem vê um velho amigo. Ali estava ele. Aliás, eles, numa placa no centro da Base Aérea do Montijo. Dois EH-101 “Merlin” silenciosamente prontos, um ao lado do outro. Mas estes tinham uma cor diferente aos que eu estava habituado. Não enganavam. Eram dinamarqueses. Esquadra 722.
Chegamos a meio da manhã ao edifício onde o destacamento dinamarquês está instalado na Base Aérea nº 6. Antigo edifício do despacho e último reduto da Esquadra 401 nesta unidade. Lembro-me bem de passar por aqui algum tempo.
Somos imediatamente recebidos pelo Capitão “VAN” (callsign táctico, todos os nomes foram omitidos nesta reportagem). Na Força Aérea Dinamarquesa desde o ano 2000, piloto de EH-101 Merlin e de Fennec e com três destacamentos operacionais no Iraque e no Afeganistão, “VAN” encaminha-nos para o briefing geral da missão.
Missão para hoje: treino de procedimentos operacionais e formação até Santa Margarida, voo táctico na área, e regresso ao Montijo.
“Tinha saudades disto”, confesso. A malta dos helicópteros será sempre a malta dos helicópteros. Uma maneira de estar diferente e de bem receber. E isso nota-se.
A Força Aérea Dinamarquesa (RDAF) adquiriu catorze EH-101 Merlin em duas versões distintas: oito em versão SAR (Search and Rescue/Busca e Salvamento) e seis em versão táctica, especialmente equipados para ambientes não permissivos com equipamento de guerra electrónica, contra-medidas e armamento. Embora todas as aeronaves possam – e executam – a missão SAR, apenas estas seis aeronaves se encontram configuradas para missões tácticas. No entanto, toda a frota está preparada para ser reconfigurada, se assim for necessário, para a configuração táctica. Em tudo semelhante à frota portuguesa de EH-101.
Callsign para a missão: “Viking 72” e “Viking 73”. Pomos em marcha na placa e descolamos da pista 01. A nossa boleia para hoje é o “Viking 73”, descolamos a número dois, na asa. O som do Merlin é, para mim, inconfundível e a rampa e portas abertas tiram-me qualquer dúvida que estou de volta a um ambiente de voo militar. “Espectáculo!”
O voo para a área de trabalho é efectuado sempre em formação “low level”, alternando a posição e o tipo de formação utilizada, para benefício de todas as tripulações envolvidas. O tempo está excelente. Céu azul e óptima visibilidade. CAVOK nacional.
“Porquê Portugal?” pergunto ao “VAN” mais tarde. A razão é simples: pela possibilidade de treino de “dust landings” (aterragens com muito baixo nível de visibilidade devido ao pó e poeira que o efeito “downwash” do helicóptero invariavelmente levanta) e pela presença da Esquadra 751 e dos Merlins portugueses, o que facilita a troca de experiências com os operadores portugueses.
O destacamento dinamarquês iniciou-se a 3 de Novembro e está previsto terminar a 6 de Dezembro. A primeira parte do destacamento decorreu na Base Aérea nº 11, Beja, e a segunda – e maior – na Base Aérea nº 6 Montijo. As duas aeronaves aqui presentes voaram directamente do seu destacamento no Afeganistão, parando em Portugal antes do seu regresso final à Dinamarca. Foi o último destacamento para os Merlins dinamarqueses naquele teatro de operações. Por agora.
“VAN” recorda-se de algumas das missões mais marcantes no Afeganistão. “As inserções de operações especiais e sem dúvida a operação de apoio às eleições afegãs”. Nesta operação dezenas de meios aéreos da NATO foram empenhados, de forma coordenada e simultaneamente, de modo a garantir a segurança e o transporte dos boletins de voto por todo o país. Logisticamente e operacionalmente um feito épico.
Chegamos à zona de operações – o campo militar de Santa Margarida – e iniciamos o treino táctico já apenas com uma aeronave. Quando alguém me pergunta do que sinto mais falta dos meus tempos de voo militar a minha resposta é imutável: voar formação e voar baixo. E aqui estou, de volta às origens. Ele há dias assim!
Sempre em “low level” executamos um sem número de circuitos para aterragem em locais não preparados. Seja numa clareira que deixa pouco mais que uns metros de espaçamento entre o rotor e as árvores, seja em locais com declive assinalável, a coordenação entre toda a tripulação é evidente. Afinal de contas todos eles têm pelo menos um destacamento operacional num teatro de guerra fora da Dinamarca. E todos fazem parte da mesma esquadra: a 722.
A Esquadra 722, baseada na base aérea de Karup, no norte da Dinamarca, possui um total de oito tripulações tácticas embora apenas seis se encontrem qualificadas de momento. Estas tripulações são normalmente constituídas por dois pilotos, um mecânico de voo e um “loadmaster”, sendo que em missões tácticas reais a tripulação é reforçada por mais um elemento de modo a que o armamento do Merlin tenha todo ele um operador – duas armas laterais e uma na rampa. A juntar a isto a Esquadra 722 garante igualmente o alerta SAR na Dinamarca com três aeronaves e três tripulações em alerta 24 horas em três diferentes bases permanentes espalhadas pelo país. A 722 tem à sua disposição dezanove tripulações SAR. As tripulações tácticas apenas voam, e treinam, táctico. O mesmo se aplica às tripulações SAR: apenas voam, e treinam, busca e salvamento.
O destacamento operacional da 722 no Afeganistão durou sensivelmente ano e meio, com um sistema rotacional de tripulações a sensivelmente cada dois meses. Num destes destacamento um EH-101 despenhou-se durante uma aterragem táctica, estando a ser avaliada a possibilidade de reparar a célula para retorno ao serviço. Felizmente não houve fatalidades registadas.
As tripulações da Esquadra 722 participam igualmente, e de forma regular, em treinos e destacamentos em países aliados como os Estados Unidos, Reino Unido (País de Gales) ou os vizinhos nórdicos. A razão? “Aproveitar todas as potencialidades do terreno montanhoso ali existente e as enormes áreas de treino” refere “VAN”.
Após várias aterragens por Santa Margarida, seguimos para algo que me é bastante familiar: operação de guincho em terra. Efectuamos dois circuitos e são efecutados um total de quatro guinchos para um terreno previamente reconhecido. Descolagem à vertical (ah, que vontade estar aos comandos!) e vamos embora. Ou então não. “Exercise, Exercise, Exercise…” ecoa nos rádios. De surpresa é simulada a necessidade de uma evacuação urgente de um soldado aliado em estado crítico (CASEVAC). São introduzidas as coordenadas e prosseguimos low-level até ao local, aterragem táctica, e simula-se a evacuação. Tudo em poucos minutos. Descolagem num piscar de olhos e… “SAM, SAM, SAM”. Numa série de manobras evasivas evitamos a ameaça terra-ar simulada. E aqui (re)vivi a verdadeira capacidade de manobra do Merlin!
“Bem, desta não estava à espera” comento.
É tempo de regressar ao Montijo. Regressamos efectuando uma navegação visual baixa via Montargil, Benavente e Alcochete.
De volta a terra firme converso um pouco mais com o “VAN”. Fica registado a excelente imagem de profissionalismo e colaboração que várias unidades nacionais deixaram no destacamento dinamarquês. A UPF (Unidade de Protecção de Força da Força Aérea), o DAE (Destacamento de Acções Especiais) da Marinha e a Esquadra 751 destacam-se, de entre outras.
O feedback final do destacamento é positivo, não tendo uma única missão sido cancelada por meteorologia, mas existem algumas arestas por limar, especialmente nas regras de utilização e nas reservas das áreas de trabalho a nível nacional.
Para terminar, pergunto-lhe para me descrever em uma ou duas palavras algumas características nacionais:
“Comida portuguesa”? “Autêntica. Fresca!”
“O tempo”? “Espectacular!”
“E as mulheres portuguesas?” “Absolutamente lindas!”
A isto se chama diplomacia! Tak!
Reportagem: Ricardo Nunes
Fotografia: André Garcez