Dizem que para tudo na vida há uma primeira vez. E claro, por ser primeira, ela nem sempre sai perfeita. Afinal, como também dizem, a prática leva à perfeição. Todos nós tivemos várias primeiras vezes na vida, às quais não cabe ao escopo deste blog abordar. Mas acredito que um bom exemplo relacionado ao nosso assunto seja a primeira vez andando de bicicleta – sem rodinhas para auxiliar, claro. Parecia impossível, a bicicleta insistia em tombar, senão para um lado, para o outro. Até que como mágica, um dia, equilibrar-se nela tornou-se intuitivo. E assim, com praticamente tudo. A primeira vez dirigindo um carro, quem sabe até a primeira vez no Flight Simulator!
Não que faça tanto tempo assim, mas lembro nitidamente da minha primeira aula prática no curso de Piloto Privado. Após dois dias de aulas teóricas, eu iria sentar à esquerda de um simpático Cessna 152, um clássico da instrução de voo no Ocidente. Por mais que eu tivesse passado anos varando noites em frente ao computador, naquele final de manhã ensolarado da Florida, aquela experiência prévia tinha pouquíssima utilidade. Após uma longa inspeção externa e explicação dos pormenores mesmo dentro da cabine, acionamos a aeronave e iniciamos o taxi. Meu instrutor, um divertido iraniano há muito radicado nos Estados Unidos, me ajudava o quanto achava que devia, mas era quase impossível para mim manter a aeronave taxiando por cima da faixa amarela. Decolamos, fizemos algumas manobras, e voltamos. Pousamos na pista 30 do aeroporto municipal de DeLand uma hora depois. E somente uma semana mais tarde, lá pela quinta ou sexta hora de voo, é que o dócil Cessninha começou a me respeitar. E a frustração das primeiras horas, quando parecia às vezes que eu nunca conseguiria me tornar um piloto, finalmente deu lugar a paixão latente de quem sonhara três décadas com aquele momento.
A mesma frustração apareceu no início dos voos por instrumentos, e em maior escala, no treinamento multimotor, no arredio Piper PA-34 Seneca. A alegria da descoberta levava um tempo, mas acabava sempre se sobrepondo à frustração de não se sentir à vontade na máquina. Diferente dos monomotores de Wichita, o bimotor de Vero Beach sempre me dá trabalho quando passo muito tempo sem voá-lo, e por mais que muitos o amem, também me senti perdido nas primeiras horas no Beechcraft BE58 Baron, e como minha experiência nele limitou-se a apenas dois voos – ainda que o mais longo cobrindo uma distância equivalente a que separa Portugal e Bulgária – gostei muito do que vi, mas não posso afirmar que chegamos a ter tanta intimidade assim.
Mas nada se compara ao treinamento na linha aérea. O salto para um Boeing é perfeitamente possível, mas exigente. Muito se resolve com estudo, porém, quando chegamos ao simulador, não importa quantas horas você tenha gasto em frente ao painel impresso em papel pendurado na parede do quarto, até você efetivamente vestir o avião leva tempo. Suas mãos erram pelo overhead, e até o console de controle de áudio exige bastante atenção. Os primeiros pousos no simulador são emblemáticos, e não é incomum que alguns deles sejam embaraçosos. Mas após dezenas de horas enfrentando as mais variadas panes e emergências, você finalmente domina a técnica para pousar no simulador. Até que chega a instrução em rota e enfim, o momento do seu primeiro pouso na aeronave real. Esse outro dia, bem mais recente, eu lembro ainda mais nitidamente. Por mais perfeito que um Level D de milhões de dólares seja, estar num avião real, com quase duzentas pessoas abordo, flutuando na atmosfera de verdade, é uma sensação única. E claro, como tantas outras primeiras vezes, é frustrante. Somente trinta horas de voo e dezoito pousos depois, é que coloquei a aeronave no solo sem que meu instrutor tocasse em nada pela primeira vez – que foi uma primeira vez bem mais agradável, claro. Hoje, centenas de horas depois, faço muitos pousos que antes eu só podia invejar, na medida em que ganho mais experiência numa das mais icônicas aeronaves comerciais da era do jato. E faltam tantas primeiras vezes ainda, numa profissão cuja característica mais essencial é o aprendizado constante, do primeiro ao último voo da sua carreira.
A primeira vez a gente nunca esquece
Data:
Caro Cmte Enderson, nada como a primeira vez… A minha, como já disse, foi num AB-11, o velho Boero. Convencional é sempre mais arisco de taxiar, ainda mais quando não se tem plena visão à frente, o INVA manda sempre fazê-lo em “S”, mas depois de 35 mph, o chão aparece. Seja numa máquina que pese 770 kg ou 60 toneladas, vencer as 4 forças da natureza e levar o mais-pesado-que-o-ar nas mãos é algo que somente o coração pode sentir. Estou por viver meu primeiro solo, meu primeiro Multi, meu primeiro Jet… Abração!