Assim como na mística ilha onde estaria a espada do Rei Arthur, o nevoeiro se forma em vários outros lugares e por razões distintas. Como no final do mês passado falamos no clima, achei que seria interessante aprofundarmos um pouco o assunto. E embora a meteorologia tenha em sua fascinante natureza uma gama enorme de eventos, poucos são tão decisivos para a aviação quanto os nevoeiros.
Enquanto nuvens de tempestade ou ventos fortes tendem a deixar no chão apenas os aviões mais leves, os nevoeiros são capazes de atrapalhar mesmo as mais modernas aeronaves de linha aérea. Compreendê-los nos ajuda não apenas a prevê-los mas principalmente, a saber o que esperar deles depois que se formam. Embora não sejam os únicos – névoa seca, areia, chuva e o asqueroso smog também o fazem– a reduzir a visibilidade horizontal, os nevoeiros são motivo de interrupção de operações em boa parte dos aeroportos, e também estiveram envolvidos no maior acidente aéreo da história, entre dois Boeing 747 na Ilha de Tenerife, em 1977, deixando 583 mortos. Mas assim como em Tenerife, o problema não é o nevoeiro, mas nossa atitude com relação a ele.
Para entender o princípio básico dos nevoeiros, primeiro precisamos entender um conceito simples. Se você pegar um copo d’água e colocar uma colher de sal e misturar, o sal vai desaparecer. Se colocar duas colheres, provavelmente vai sumir também. Mas se você continuar enchendo de sal e misturando, haverá um momento em que o excedente de sal não mais se dissolverá na água, e ficará acumulado no fundo. Isso significa que a capacidade da água em absorver o sal chegou ao seu limite, ou seja, ela estará saturada. O mesmo acontece na atmosfera com relação à água. O ar aguenta até cerca de 5% do seu volume em água. Porém, quando estes 5% são completos – e é aí que dizemos que a humidade relativa do ar está em 100% – o ar não consegue mais conter a água “dissolvida” nele e então ela condensa.
Dependendo de vários fatores que veremos a seguir, essa condensação assume uma forma específica visível aos nossos olhos – nuvem, chuva, neve, geada, sereno – em especial, a forma de nevoeiro.
A forma mais comum de nevoeiro é o nevoeiro de radiação. Durante uma noite fria e sem nuvens, o solo perde calor para a atmosfera. Se ele perder calor suficiente para o ar relativamente húmido logo acima, algo vai acontecer. As dicas para os aviadores são duas: pequena diferença entre a temperatura e o ponto de orvalho e a velocidade do vento. Ponto de orvalho, para quem não sabe, é a temperatura em que o ar se satura de água, e essa informação consta nos boletins meteorológicos dos aeroportos. Se são onze da noite, o céu está estrelado, e a temperatura é de 6°C e o ponto de orvalho está em 4°C, a chance de termos nevoeiro nas próximas horas é grande. Um vento calmo, entre 5 e 7 nós, pode indicar isso. Basta que a temperatura caia 2°C – o que pode ser bem provável se o aeroporto for longe do mar já que ainda faltam seis ou sete horas para amanhecer – para que o nevoeiro se forme. Se não houver vento algum, provavelmente teremos só sereno. Se o vento estiver acima de 7 nós, o excesso de turbulência vai transformar a humidade condensada em nuvens stratus baixas – o que pode ser um problema para o voo visual, mas dificilmente vai fechar um aeroporto provido de aproximações por instrumentos. O quanto esse nevoeiro vai durar depois de amanhecer também é algo que um piloto deve levar em consideração. Se o ar continuar calmo, pode demorar bem, até metade do dia, para que o nevoeiro se dissipe. Se o vento se intensificar logo após o sol nascer, então o ar seco e quente vai logo dissolver o nevoeiro. Do deserto à floresta, qualquer lugar pode acabar envolto em um nevoeiro de radiação, e é bom que você reconheça para saber se o seu voo vai demorar a sair ou se isso ocorrer no destino, para onde alternar. No próximo artigo, falaremos de outros tipos de nevoeiro. Até lá!
Foto: Conforme o sol nascente aquece a atmosfera, o nevoeiro sobre o Loch Eil, na Escócia, se dissipa. O ar quente consegue conter bem mais água do que o ar frio.