Comandante português integrou equipa de resgate de A330-300 da SmartLynx da Ucrânia

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O piloto português Frederico Alves Moreira esteve por detrás de toda a operação de resgate de um avião comercial de um aeroporto da Ucrânia no passado dia 1 de junho. Um trabalho que requereu uma longa preparação e grande secretismo atendendo à situação de guerra que hoje se vive naquele país, e aos riscos que a operação apresentava, segundo contou o piloto ao ‘Newsavia’.

O Airbus A330-300, matrícula 9H-SME, ao serviço da SmartLynx Malta, tinha aterrado no aeroporto de Lviv, na Ucrânia, na noite de 23 de fevereiro de 2022, véspera da invasão da Rússia. Fazia um voo de carga, com a cabina de passageiros configurada temporariamente para al efeito, a fim de aproveitar as oportunidades que surgiram no mercado da carga aérea, durante e após a epidemia de covid-19. Transformações que foram autorizadas pelos organismos oficiais e pelos reguladores nacionais de aviação civil para enfrentar os desafios que, nesse sector, estavam a ser impostos ao transporte aéreo.

O desenvolvimento da guerra e os riscos de um eventual abate de aviões pelas artilharias dos países em conflito, aconselhou que as companhias aéreas e os donos de aeronaves civis, evitassem os movimentos, nomeadamente próximo dos teatros de guerra.

O Airbus A330-300 da SmartLynx era o único avião civil que restava no Aeroporto de Lviv, que foi poupado aos bombardeamentos russos. A operação de resgate do aparelho foi planeada durante oito meses. À frente de todo o projeto operacional esteve o comandante Frederico Alves Moreira, que está contratado desde há um ano pela SmartLynx Airlines como diretor técnico e de testes dos aviões da companhia. Está certificado como comandante de aviões de longo curso, nomeadamente os Airbus A330, A340 e A380.

Frederico Alves Moreira começou a sua carreira de piloto comercial na extinta Air Luxor, em Portugal, estando desde há 16 anos a trabalhar no estrangeiro, tendo sido contratado por diversas companhias de prestígio, o que lhe confere um currículo muito interessante. Teve passagens pela Qatar Airways, Air Macau, AtlasJet (Turquia) e Hong Kong Airlines até chegar ao Dubai, onde foi o primeiro português a ser certificado como comandante do Airbus A380, o maior avião comercial do mundo, na Emirates, a maior companhia aérea dos Emirados Árabes Unidos e do mundo, em termos de frota de longo curso para passageiros e carga (aviões Boeing 777 e Airbus A380). Pelo caminho foi ainda piloto privado da Família Real da Arábia Saudita, aos comandos de um Airbus A319 Corporate Jet, a versão VIP do avião de médio curso da fábrica europeia.

Com a pandemia de covid-19, Frederico Alves Moreira, tal como outros portugueses e estrangeiros que trabalhavam na Emirates, foi despedido. Não obstante a companhia o tivesse convidado a reassumir o seu posto após a retoma dos voos, preferiu optar por outro caminho. “Fiquei bastante magoado com a atitude da Emirates, numa época muito difícil para todos nós, e recusei o convite para voltar ao Dubai”, confessou ao ‘Newsavia’. Atualmente é piloto técnico e responsável pelos testes de aviões da frota Airbus da SmartLynx, orientando ainda ações de formação para pilotos no estrangeiro, tendo assento no Conselho de Administração da companhia.

Os comandantes Frederico Alves Moreira (à esquerda) e David Kinnersley, que participaram, no dia 1 de junho, na operação de resgate do A330-300 da SmartLynx Airlines, que esteve parado 14 meses no Aeroporto de Lviv, na Ucrânia.

Foi nessa qualidade que Frederico Alves Moreira preparou a operação de resgate do A330-300. Colocou como condição, apenas, ser depois de completar 50 anos de idade, efeméride que festejou junto com a família, em Portugal, no passado dia 30 de maio. Seguiu no dia seguinte para a Polónia. Chegado a Cracóvia, foi encaminhado até ao aeroporto de Lviv, num percurso secreto, orientado por pilotos ucranianos, que também estiveram envolvidos na operação. Várias entidades foram avisadas acerca desta missão de resgate, embora toda de iniciativa civil, nomeadamente o Governo da Ucrânia e até a NATO, já que o aparecimento de um avião desconhecido nos radares poderia suscitar dúvidas e, consequentemente, um risco maior para a operação.

Por outro lado, havia que certificar a situação técnica-operacional da aeronave, estacionada desde há mais de um ano em local desabrigado, sujeita aos efeitos das intempéries de um Inverno muito rigoroso. Além da manutenção que foi assegurada por uma equipa de técnicos ucranianos, a Airbus e a Rolls Royce, foram chamadas a colaborar para avaliarem a estrutura e os motores do avião, respetivamente. Contudo, havia outras eventuais avarias, não visíveis, que poderiam constituir entraves ao sucesso da operação. Cuidados acrescidos que a equipa do comandante Alves Moreira teve de ter em conta.

Estabelecido o plano técnico e logístico da operação, tudo se aprontou para o dia 1 de junho passado. A partida do avião ocorreu cedo, pela manhã, com destino à cidade polaca de Varsóvia (51 minutos de voo), onde o avião reabasteceu, tendo continuado viagem para Chateauroux, em França, onde será totalmente inspecionado e sujeito a revisão técnica, antes de voltar ao serviço da SmartLynx.

Na partida de Lviv, o avião voou cerca de 12 minutos sobre território da Ucrânia, pelo que viajou com o transponder desligado. Os sistemas de rádio do A330 não foram ligados por opções de segurança, no sobrevoo do território ucraniano. Após terem sido ligados os motores, os contactos com a torre de controlo do aeroporto, onde estavam pessoas perfeitamente cientes do que estava a acontecer, foram feitos via WhatsApp, entre os telefones móveis do comandante e do controlador aéreo. Foi através do telefone e da aplicação de WhatsApp, que a tripulação recebeu ordem para a descolagem. Ultrapassada a fronteira foram ligados os sistemas de rádio.

Imagem do computador de bordo que mostra o tempo do voo (00h51m) entre Lviv e Varsóvia, no dia do resgate da aeronave.

O avião voou com o trem de rodas em baixo a uma altitude média de 6.500 pés sobre a Ucrânia e de 10.000 pés sobre a Polónia, e depois em direção a França. O facto da tripulação ter optado por não recolher o trem após a descolagem foi uma medida de precaução, pois, por qualquer falha hidráulica, poderia não voltar a sair. “Não era fácil saber como estariam os vários sistemas do avião, tais como os pneumáticos, os hidráulicos, a parte eléctrica, após 14 meses de estacionamento”, disse-nos o comandante Alves Moreira. Por isso evitaram o risco. Além do mais, é também frequente em voos denominados ferry (transferência de aviões após avarias para estações MRO para inspeção e revisão técnicas), que os aparelhos viajem com os trens de rodas descidos.

Nesta operação e no cockpit da aeronave seguiram dois comandantes: o português Frederico Alves Moreira e o britânico David Kinnersley, um piloto com grande experiência, nomeadamente na aviação de transporte militar.

Em terra, na sede da companhia, em Riga, na Letónia, foi ativado um gabinete de crise, que incluiu os mais altos responsáveis pela companhia, e que seguiram atentamente, através de plataformas de localização de aeronaves todo o decorrer da missão em que esteve empenhado o comandante português e o seu colega britânico.

 

  • As imagens que ilustram este artigo foram gentilmente cedidas pelo comandante Frederico Alves Moreira (©) para publicação no portal de notícias ‘Newsavia’.

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