Enquanto a aeronave sacode ao driblar grandes cumulus nimbus próximas, resolvo escrever para o NewsAvia, da poltrona 4A – janela, claro – de um confortável Boeing 737-800 com apenas seis meses de idade, a caminho da minha cidade natal. Em breve, ele poderá estar voando na Europa, alugado para uma companhia holandesa enquanto a economia brasileira passa também por turbulências. Diferentemente do Hemisfério Norte, aqui no Sul o verão vem chegando, e com ele novos desafios para quem atravessa os céus. Cada estação tem suas peculiaridades, e num país da dimensão do Brasil é possível vivenciar mesmo várias estações num só dia de voo sem atravessar a fronteira. Para que os leitores – em especial os europeus – tenham uma ideia de como é a meteorologia no Brasil, vamos fazer um resumo do que podemos e como podemos enfrentar.
Comecemos pela região Sul do país, com latitudes de 20° a 30° aproximadamente. Fazendo fronteira com Uruguai, Paraguai e Argentina, é a primeira região a ser atingida pelas frentes frias e pelas massas de ar polar. Com relevo superior a mil metros em alguns pontos, durante poucos dias do ano podem acontecer geadas e até neve, mas nenhum dos aeroportos principais tem histórico de problemas com isso – e não há, portanto, qualquer tipo de infra-estrutura para enfrentar o frio extremo. Mas por conta das noites claras que as massas de ar polar trazem no inverno, em capitais como Porto Alegre e Curitiba, o nevoeiro de radiação pode ser um problema. A segunda conta com ILS categoria II e com mínimos de 100 pés, mesmo assim, não é raro do outono para frente este e alguns outros aeroportos da região – muitos providos apenas com aproximações GPS – fecharem por conta disto. Florianópolis, onde moro, é a única no litoral das capitais do sul e a menos sujeita a tetos baixos, mas enfrenta ventos fortes e vez por outra, nevoeiros marítimos. Em grandes altitudes, a região Sul é que a tem os ventos mais velozes, e no inverno as correntes de jato se deslocam da Patagônia até lá, ocasionando ventos nos níveis de cruzeiro da ordem de cem a duzentos nós. No verão, por sua vez, o calor é intenso e com a umidade vinda das planícies inundadas da Argentina ou mesmo da Amazônia – que cercada pelos Andes a Oeste, proporciona a única região do mundo nestas latitudes sem desertos – grandes sistemas de tempestades se formam. Aeroportos fecham por visibilidade reduzida por chuva forte, e nos níveis médios – entre os FL150 e FL300 – o gelo é um perigo constante.
Já a região Sudeste concentra a maior parte da população e os principais aeroportos do país, entre eles o mais movimentado da América Latina, o Internacional de São Paulo, em Guarulhos. O clima na região lembra o do Sul, mas faz menos frio e chove menos. A diferença fica por pontos sensíveis a longos dias de tetos baixos e chuva leve ou nevoeiros no outono/inverno; e tempestades de fim de tarde ou frontais no período que vai do fim da primavera ao fim do verão, como ocorre em São Paulo, localizada na região de serra do estado de mesmo nome, a cerca de 700 metros de altitude. Nos principais aeroportos do litoral, como o Internacional do Rio de Janeiro, alguns nevoeiros pós-frontais ou marítimos também ocorrem durante o ano, mas sem impactar muito as operações. Das grandes cidades da região, a com o clima mais estável é Belo Horizonte, mas mesmo o aeroporto Internacional de Confins, que serve à capital mineira, tem seus maus dias quando as frentes frias têm força para chegar por lá. Vitória sofre mais por não dispôr de procedimentos IFR precisos o suficiente para lidar com os tetos baixos das frentes que por lá aparecem. A pista curta e com relevo acidentado próximo traz sérias limitações à capital capixaba mesmo sob condições que seriam corriqueiras para outros aeroportos.
Na vasta região Centro Oeste, o clima é também seco boa parte do ano, mas com chuvas intensas e nevoeiros próximo ao Pantanal, e com nevoeiros de radiação em certas épocas na capital brasileira. Mas Brasília conta com diversos procedimentos de precisão e não-precisão e dificilmente fecha, o que é um alívio considerando-se a importância da cidade como hub de ligação entre todas as regiões. A limitação às operações fica por conta da performance das aeronaves: com elevação de campo de 3500 pés e temperaturas acima de 30°C, decolar da capital pode ser mais desafiador do que as compridas pistas paralelas do seu aeroporto internacional sugerem. Cuiabá e Palmas estão entre as cidades mais quentes do país, mas estão em altitudes de campo menores.
Nenhuma outra região é tão amigável aos aviadores, no entanto, quanto a região Nordeste. Com bom clima o ano todo e ventos constantes de intensidade média, raramente suas pistas mudam a cabeceira em operação. Na metade do ano, chove mais, já próximo ao final e até meados do ano seguinte, o clima é mais seco. Cumulus de bom tempo bem definidas e tetos raramente abaixo de 3 mil pés marcam essa região nesta época. Quando a chuva ocasionalmente fecha um aeroporto nordestino, em geral as operações são interrompidas apenas por breves períodos.
Mas nenhuma outra região desperta tanto interesse no Brasil como a região Norte, coberta em sua maior parte pela vasta Floresta Amazônica. Poucos voos internacionais operam lá, mas muitos cruzam os céus controlados pelo Centro Amazônico a caminho da Europa e da América do Norte. O clima amazônico é bastante similar em praticamente todas as capitais da região. Da virada a meados do ano, chuvas torrenciais que enchem os rios e fecham aeroportos seja pela visibilidade reduzida e intensidade, seja pelos nevoeiros que se formam após sua passagem. De meados do ano em frente, chove menos na Amazônia, e quem fecha os aeroportos é a ação do próprio ser humano: grandes volumes de fumaça que chegam a ter o tamanho da Europa inteira reduzem a visibilidade abaixo dos mínimos VFR em alguns dias. Para as aeronaves em rota, o norte da Amazônia é onde a ITCZ – zona de convergência intertropical – encontra a América do Sul. Para quem pousa por lá, o desafio é, num oceano de mata fechada, encontrar alternados próximos: quase sempre o aeroporto para o qual você poderia ir tem condições de clima semelhante e está a pelo menos uma hora de voo, sem nenhuma grande cidade no caminho. Se é desafiador para nós da linha aérea, imagina para os pequenos aviões, que juntamente com os barcos, interligam as comunidades da região.
Pronto, passamos a tempestade. Estou chegando em casa. Até o mês que vem!
Foto: os últimos dias de voo no Brasil exigiram muita atenção ao radar meteorológico e alguns acionamentos do engine anti-ice. Com o El Niño em atividade, este verão promete.