Drones e sua regulamentação

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INTRODUÇÃO

Este artigo visa analisar a regulamentação de aeronaves não tripuladas no mundo, mais especificamente nos Estados Unidos, Brasil e Portugal, fazendo um panorama sobre sua história e evolução ao longo do tempo.

 

 1- HISTÓRIA E EVOLUÇÃO DOS DRONES

As aeronaves não tripuladas – denominadas Remotely-Piloted Aircraft (“RPA”) ou popularmente conhecidas como drones – são aeronaves capazes de sustentar-se e circular no espaço aéreo mediante reações aerodinâmicas. Podem ser comandadas por pilotos a partir de uma estação remota ou, ainda, autônomas, isto é, sem a intervenção de pilotos remotos no todo ou em parte da operação.

A utilização de veículos aéreos não tripulados é antiga, seu conceito foi aplicado no século XIX pelo exército austríaco, ao utilizar em seus ataques balões sem tripulantes carregados com explosivos.

Originariamente utilizados para fins militares, os drones modernos surgiram e evoluíram em meados de 1919. Entretanto, somente em 2006 o Federal Aviation Adminstration (“FAA”) emitiu o primeiro certificado de operação para a utilização de drone para fins não-militares, que passaram a ser operados pelas agências do governo americano para procurar sobreviventes em desastres, combater incêndios florestais e vigiar fronteiras. A utilização de drones para fins recreacionais só se popularizou a partir de 2015.

Em constante evolução, os drones são muito utilizados pelos mercados de mídia, mapeamento aéreo, agronegócio, construção civil, bem como para entrega de mercadorias.

A evolução dos drones são as aeronaves elétricas de decolagem e aterrisagem vertical, chamadas de eVTOL (Eletric Vertical Take-Off and Landing) e que serão capazes de transportar passageiros e cargas com maior peso. Apesar de ser um tema ainda em desenvolvimento e não regulamentado, estima-se que o eVTOL seja lançado no mercado em 2023, o que revolucionará a prestação de serviços aéreos como hoje conhecemos.

 

 2- A REGULAMENTAÇÃO DO USO DE DRONES NO MUNDO

2.1 A regulamentação norte-americana

A regulamentação norte-americana aplicável para RPA é prevista pelo Code of Federal Regulations, Título 14 – Aeronautics and Space, Volume 3, Capítulo I (Federal Aviation Administration, Department Of Transportation), Subcapítulo F (Air Traffic And General Operating Rules, Part 107 – Small Unmanned Aircraft Systems (“Part 107”)).

O Part 107 prevê os requisitos aplicáveis às operações de RPA de uso civil nos Estados Unidos, exceto para determinados tipos de RPA utilizados para fins recreativos (e.g. balões, foguetes amadores, aeromodelos etc). Entretanto, o Part 107 trata apenas de drones com peso de decolagem de até 25 kg, sendo omisso em relação a outras categorias.

Para a operação de RPA não é necessária a obtenção de certificado de aeronavegabilidade pelo FAA, apenas de certificado de matrícula. Os pilotos devem realizar testes antes de todos os voos para confirmar as condições seguras de operação.

Algumas das limitações operacionais trazidas pelo Part 107 são as proibições para (i) operação em área próxima a terceiros não envolvidos ou não anuentes na operação que não estiverem protegidos de eventual queda ou colisão, (ii) transporte de materiais perigosos e (iii) operações realizadas de veículos em movimento. Também possui regras especiais para operações em áreas próximas de infraestrutura aeroportuária.

A maioria dessas limitações podem ser renunciadas pelo FAA, caso o operador demonstre que o RPA pode ser operado de maneira segura. Além disso, o piloto em comando poderá, em situações emergenciais durante os voos do RPA, deixar de cumprir com as regras estabelecidas pelo Part 107 na exata medida da emergência.

Os pilotos deverão, entre outros requisitos, ter mais de 16 anos, possuir um certificado de piloto específico para RPA e licença médica.

Até janeiro de 2018 já foram registrados mais de um milhão de drones perante o FAA.

 

2.2 A regulamentação brasileira

Em maio de 2017, a Agência Nacional de Aviação Civil Brasileira (“ANAC”) publicou o Regulamento Brasileiro da Aviação Civil Especial nº 94, aprovado pela Resolução nº 419, de 2 de maio de 2017 (“RBAC-E”), que traz requisitos gerais para operação de RPA de uso civil.

As regras presentes no RBAC-E são aplicáveis a todos os drones que operem no território brasileiro, dividindo-os por classes de acordo com seu peso de decolagem. São previstas três classes de drones, além dos aeromodelos – espécie utilizada apenas para fins de recreação. A classe de peso mais leve e os aeromodelos têm restrições mais brandas de operação do que as outras duas classes.

Entretanto, apesar de tratar de regras de aeronavegabilidade e manutenção para drones, o RBAC-E possui regras muito similares às regras aplicáveis para a operação aeronaves privadas no país, com alto nivel de complexidade.

O RBAC-E estabelece que os drones não poderão ser operados no Brasil sem prévio registro e aprovação de projeto pela ANAC, que emitirá diferentes tipos de certificado de registro e aeronavegabilidade para cada classe de drone a ser operado.

Também deverão ser observadas as regulamentações de outros órgãos, tais como a Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, o Departamento de Controle do Espaço Aéreo – DECEA e o Ministério da Defesa, para obtenção de aprovação para os voos.

Algumas das limitações operacionais trazidas pelo RBAC-E são as proibições para, (i) transporte de pessoas, animais, artigos perigosos ou cargas proibidas e (ii) operações autônomas, ou seja, sem possibilidade de interferência externa nos drones.

Assim como o Part 107 norte-americano, o RBAC-E também prevê regras especiais para operações próximas a aeroportos e proíbe a operação em área próxima a terceiros, devendo neste último caso ser observada a distância mínima de 30 metros de pessoas não envolvidas ou não anuentes na operação.

Todas as operações de aeronaves de uso não recreativo acima de 250 gramas de peso máximo de decolagem devem possuir seguro com cobertura de danos a terceiros.

O RBAC-E também traz regras específicas para habilitação dos pilotos de drones, que deverão ser maiores de 18 anos e possuir certificados médicos e licença emitida pela ANAC.

Até agosto de 2018 já foram cadastrados mais de 48 mil drones perante a ANAC.

 

2.3 A regulamentação portuguesa

A regulamentação portuguesa aplicável aos drones é trazida pelo Decreto-Lei nº 58 de 23 de julho de 2018, buscando complementar o Regulamento nº 1.093/2016, publicado em 14 de dezembro de 2016 pela Agência Nacional de Aviação Civil Portuguesa.

Para a operação de um drone em Portugal é necessário que o operador seja validamente cadastrado perante a autoridade aeronáutica. Tal exigência é valida para a operação de drones com massa máxima operacional superior a 250 gramas, mesmo que sejam de construção amadora ou destinados à realização de testes. Operadores não residentes em Portugal podem solicitar um número de registro provisório para realizar operações em território português por período não superior a um mês.

Não há emissão de certificados de aeronavegabilidade, porém os pilotos deverão previamente certificar que o drone e seu sistema estão em perfeitas condições para a realização do voo.

É obrigatória a contratação de seguros de responsabilidade civil para drones com massa máxima superior a 900 gramas.

Assim como o RBAC-E e o Part 107, a regulamentação portuguesa só permite voos diurnos em até 120 metros acima da superfície, em distância segura de pessoas e bens patrimoniais para evitar danos em casos de acidentes.

A regulamentação portuguesa não dispõe acerca de requisitos para formação e licenciamento de pilotos.

 

CONCLUSÃO

A Convenção sobre Aviação Civil Internacional, de 7 de dezembro de 1944, ratificada por diversos países, incluindo os Estados Unidos, Brasil e Portugal, estabelece, em seu artigo 8º, que é necessária autorização do Estado para que uma aeronave capaz de navegar sem piloto sobrevoe seu território e que os Estados devem tomar as medidas necessárias para que o respectivo voo seja regulado de modo a evitar perigo para as aeronaves civis e pessoas.

Apesar de seu uso não militar ser razoavelmente novo, diversos países já regulamentaram a operação e o registro dos drones. Ao compará-los, entretanto, os regulamentos possuem grandes diferenças entre si.

Em suma, o RBAC-E brasileiro possui os mesmos requisitos para operação de um drone sob o Part 107 norte-americano. Entretanto, o RBAC-E também prevê extensamente requisitos para operação de drones com pesos maiores de decolagem, o que o torna um regulamento mais abrangente neste sentido.

O regulamento português é vago ao tratar dos tipos de operações permitidas, além de não limitar o peso máximo para drones operados sob suas normas.

O Part 107 é um regulamento simplificado, porém apresenta soluções para situações práticas – como, por exemplo, como deverá ser a atuação de pilotos remotos em comando em caso de emergência – previsão que falta ao RBAC-E brasileiro e ao regulamento português.

O RBAC-E poderia se espelhar no Part 107 para simplificar seus processos e regulamentar mais amplamente as situações práticas relativas à operação dos drones de qualquer classe, da mesma maneira que o Part 107 e o regulamento português poderiam se espelhar no RBAC-E para tratar com mais clareza as restrições e possibilidades de operação.

 

 

NOTA:
Texto de Adriana Simões[1] em co-autoria com Marcelle Fazzato Lopes.

[1] Adriana Simões, sócia fundadora do Simões Sociedade de Advogados, atua na área de Direito Aeronáutico há 13 anos e é reconhecida pelo Chambers and Partners Latin America como especialista em financiamento de aeronaves.

 

 

REFERÊNCIAS

Assessoria de Comunicação da ANAC. Regulamentação da ANAC sobre drones completa um ano em vigor. 2018. Disponível em: <http://www.anac.gov.br/noticias/regulamentacao-da-anac-sobre-drones-completa-um-ano-em-vigor>. Acesso em: 01 out. 2018.

BRASIL. Regulamento Brasileiro de Aviação Civil Especial n. 94, de 02 de maio de 2017. RBAC-E nº 94. Requisitos Gerais Para Aeronaves Não Tripuladas De Uso Civil. 2017.

DESJARDINS, Jeff. Here’s how commercial drones grew out of the battlefield. 2016. Disponível em: <https://www.businessinsider.com/a-history-of-commercial-drones-2016-12>. Acesso em: 02 out. 2018.

ESTADOS UNIDOS. Code of Federal Regulations n. 107, de 02 de maio de 2017. Title 14: Aeronautics and Space. Chapter I, Subchapter F: Part 107—Small Unmanned Aircraft Systems. 2016. Disponível em: <https://www.ecfr.gov/cgi-bin/text- idx?SID=e331c2fe611df1717386d29eee38b000&mc=true&node=pt14.2.107&rgn=div5>. Acesso em: 01 out. 2018.

FAA Drone Registry Tops One Million. 2018. Disponível em: <https://www.transportation.gov/briefing-room/faa-drone-registry-tops-one-million.> Acesso em: 02 out. 2018.

F., Justin. The History of Drones. 2018. Disponível em: <https://www.dronethusiast.com/history-of-drones/>. Acesso em: 02 out. 2018.

KARP, Jonathan Karp; PASZTOR, Andy. Drones in Domestic Skies?2006. Disponível em:

<https://www.wsj.com/articles/SB115491642950528436?mod=hps_us_editors_picks>. Acesso em: 02 out. 2018.

MUNDOGEO. Confira os números de Drones cadastrados no DECEA e ANAC. 2018. Disponível em: <https://mundogeo.com/blog/2018/08/16/confira-os-numeros-de-drones-cadastrados-no-decea-e-anac/>. Acesso em: 03 out. 2018.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Convenção sobre Aviação Civil Internacional, de 7 de dezembro de 1944.

PORTUGAL. Regulamento n. 1093/2016, de 14 de dez. de 2016. Condições de operação aplicáveis à utilização do espaço aéreo pelos sistemas de aeronaves civis pilotadas remotamente (“Drones”). Lex. Portugal, dez. 2016.

PORTUGAL. Decreto-Lei n. 58/2018, de 23 de jul. de 2018. Estabelece um sistema de registo e seguro de responsabilidade civil obrigatório aplicável aos sistemas de aeronaves civis não tripuladas («drones»). Lex. Portugal, jul. 2018.


Nota: Todos os textos publicados na secção MailAvia integram um espaço de participação de pessoas ilustres da aviação, que convidamos para tal. São da responsabilidade do autor, sendo que não expressam necessariamente a opinião da NEWSAVIA

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