A Hi Fly concretizou um novo marco histórico ao aterrar, pela primeira vez, um Airbus A340 na Antártida, anunciou nesta segunda-feira, dia 22 de novembro, o grupo aéreo português, em Lisboa.
Uma tripulação da companhia, liderada pelo comandante Carlos Mirpuri, operou o Airbus A340-300 HGW (High Gross Weight) desde a Cidade do Cabo, na República da África do Sul, até à Antártida e vice-versa; uma viagem de 2.500 milhas náuticas, com cerca de cinco horas de voo em cada sentido. Nunca antes um avião Airbus A340 havia aterrado numa pista de gelo glaciar da Antártida. A aeronave vai ser usada durante esta temporada para transportar alguns turistas, cientistas e carga essencial para este continente.
O avião, registada no COA da subsidiária Hi Fly Malta (9H-SOL) pode descolar com um peso máximo de descolagem de 275 toneladas. Trata-se de “uma aeronave extremamente fiável, confortável e com um excelente histórico de segurança, tendo sido cuidadosamente escolhida para esta missão, que se realiza num ambiente extremo”, explica um comunicado da empresa. O seu alcance excecional e os seus quatro motores também a tornam ideal para este tipo de operação remota.
A rotação na Antártida demorou menos do que as três horas inicialmente planeadas, com um trabalho impecável das equipas de operações de voo, operações de terra e manutenção.
No comunicado de imprensa distribuído pela Hi Fly está incluído um ‘Diário do Voo’, que foi realizado no passado dia 2 de novembro, escrito pelo comandante Carlos Mirpuri, que a seguir reproduzimos:
Diário do Comandante – Voo Hi Fly 801/802
“A tripulação saiu do hotel na Cidade do Cabo às 05h00 da manhã (hora local). A viagem até ao aeroporto CPT demorou 30 minutos. O tramites no aeroporto demoraram mais 30 minutos e chegámos à aeronave às 06h00, duas horas antes do nosso STD (Horário Programado de Partida).
Os técnicos de manutenção e a equipa de Operações Terrestres tinham saído do hotel uma hora antes, pelo que, quando chegámos à aeronave, o reabastecimento de combustível estava concluído e o carregamento em andamento. Esperávamos 23 passageiros, todos funcionários da empresa fretadora e, como este foi o primeiro voo da temporada, a maior parte do equipamento de apoio no solo de que iríamos precisar em WFR (Pista Wolfs Fang, Antártida) também estava nos nossos compartimentos de carga. As duas primeiras viagens têm como objetivo preparar a operação na Antártica, antes da temporada de verão 2021/2022.
As 2.500 milhas náuticas entre CPT e WFR demorariam 05h10 na ida e 05h20 na volta. Como este foi o primeiro voo, com suporte limitado em solo, planeámos um tempo de rotação de três horas em WFR. Seria um dia longo para a tripulação, mas a emoção de participar num evento único estava acima de tudo. Como sempre, começámos por fazer um “briefing” com a tripulação ao chegar à aeronave. Este não é apenas mais um voo, existem especificidades relacionadas com esta operação muito remota, com o ambiente hostil que enfrentaríamos e, ainda, a necessidade de garantir que roupas de proteção adequadas estariam a bordo.
Enquanto as verificações da cabina e o carregamento do catering prosseguiam, eu e minha tripulação inspecionámos a aeronave, verificámos os seus sistemas, inseríamos a rota nos computadores de navegação e revimos os detalhes da nossa partida. Os passageiros chegaram 20 minutos antes do Horário Programado de Partida. Eram exatamente 08h00 da manhã (horário local) quando saímos da nossa posição de estacionamento. Ao horário, sempre. É este o lema da Hi Fly.
Alinhámo-nos na pista 01, mas tivemos que fazer uma pausa antes da descolagem; Notei que havia uma atividade intensa de pássaros sobre a pista e pedi à torre para fazer os procedimentos necessários de modo a afastá-los. A última coisa que queremos em qualquer voo é uma colisão de pássaros e danos potenciais nos motores. Às 08h19 estávamos finalmente no ar. Uma bela manhã na Cidade do Cabo, com vistas magníficas e visibilidade quase ilimitada.
Saímos de Cape Town com 77 toneladas de combustível. O 9H-SOL é um A340-313HGW, com peso máximo de descolagem de 275 toneladas. Robusto, confortável e seguro. Os seus quatro motores e alcance tornam-no na aeronave ideal para este tipo de missão.
A rota para WFR foi quase direta, após o cumprimento dos procedimentos de saída conforme instruções do controlo de tráfego aéreo da CPT. Rapidamente, fomos transferidos para o Centro de Controle Oceânico de Joanesburgo através do CPDLC / ADS, evitando assim a cansativa e ruidosa comunicação de longo alcance (HF) que remonta aos anos 50. A comunicação digital ‘Datalink’ é a norma atualmente na maioria das regiões de navegação aérea. Apenas perdemos a conexão ‘Datalink’ com o controlo oceânico a 250 milhas do WFR. Mas, a cerca de 180 milhas do destino, já estávamos em contacto com WFR via rádio VHF.
A 65 graus sul, revertemos para técnicas de navegação polar e usando rumos verdadeiros como referência. Além disso, usámos uma carta de marcação de rota (plotting Chart) para confirmar que nos mantemos na rota planeada. Durante o voo recebemos através do ACARS (outro sistema digital de comunicação), frequentes informações meteorológicas sobre o estado do tempo em WFR que nos são transmitidas através das nossas operações em Lisboa. O staff WFR usa um telefone capaz de comunicar via satélite, o único meio de comunicação entre aquela parte do globo e o resto do mundo. Os meteorologistas fizeram um ótimo trabalho, e só descolamos para a Antártida quando a previsão cumpre com os nossos requisitos. Mas uma previsão é uma previsão e, quando se voa para o “fim do mundo”, é necessário haver a garantia de que o tempo real corresponde à previsão.
O tempo estava ótimo e, chegando perto do topo da nossa descida, esperamos também reportes sobre o coeficiente de travagem na pista de gelo glaciar. Essa medição é feita por um veiculo devidamente equipado, que percorre toda a extensão da pista fazendo medições a cada 500 metros. Os valores obtidos estavam todos acima daquilo que considerávamos ser o mínimo, pelo que iniciámos a nossa descida.
Transportando combustível para a viagem de ida e volta significa que estaríamos a aterrar com peso máximo permitido para aterragem, ou seja, 190 toneladas. Este aspeto somado ao facto de que estamos a operar numa pista esculpida em gelo azul glaciar, torna facilmente compreensível que a primeira aterragem de um Airbus A340 atraísse muita atenção e ansiedade. Mas nós estávamos confiantes de que tínhamos feito bem o nosso “trabalho de casa”. O nosso departamento de operações levou a cabo vários meses de preparação para este voo e o sucesso da nossa primeira aterragem é a prova de um trabalho bem executado.
Inclusive o Comandante Antonios Efthymiou, fez uma visita a Wolfsfang dois dias antes, como passageiro de num jato executivo que transportava cientistas. Este é considerado um aeroporto de categoria C e, exceto para este primeiro voo, todos os pilotos observarão um voo no cockpit do A340 antes de operar. Uma pista de gelo glaciar azul é extremamente dura, permitindo suportar um avião pesado. A sua espessura é de 1,4km de gelo duro. Outro aspeto importante é que quanto mais frio, melhor. São rasgados entalhes (groove) ao longo da pista por um equipamento especial [ver foto acima]. Antes de cada operação a pista é inspecionada e intervencionada conforme necessário, e é medido o coeficiente de travagem; tudo estava de acordo com o que prevíamos; tendo a pista 3.000 metros de comprimento, aterrar e parar um A340 tão pesado naquele aeródromo não seria problema. Pelo menos não no papel, já que nunca um A340 aterrou ali.
O reflexo é tremendo, e óculos adequados ajudam a ajustar os olhos entre a visão externa e a instrumentação. O co-piloto tem um papel importante, e ainda mais na fase final da aproximação, dando as indicações necessárias para evitar reajustes de visão por parte do piloto que está a aterrar.
Não é fácil localizar a pista, mas há um momento em que temos que ter contato visual com a mesma, já que absolutamente nenhum auxílio à navegação (eletrónico ou visual) existe em WFR. A cerca de 20 milhas estávamos em contato visual. Alinhei o avião com a pista e solicitei antecipadamente a configuração de Flaps e trem de aterragem por forma a estarmos totalmente configurados a 10 milhas do ponto de tocar. Não existindo guiamento visual (glide path indicator), a mistura da pista com o terreno circundante e o imenso deserto branco ao redor torna o julgamento da altura desafiante, para dizer o mínimo.
Os altímetros em temperaturas muito baixas sofrem de erros de indicação, e precisamos compensar com correções altimétricas durante a aproximação. Tudo isso foi tido em conta. Fizemos aproximação e aterragem com a maior precisão que conseguimos, e a aeronave comportou-se exatamente conforme esperávamos. Quando paramos, ouvi uma salva de palmas na cabina. Estávamos contentes. No final de contas, estávamos a fazer história.
O tempo de rotação foi muito menor do que as três horas planeadas. As nossas operações de voo e de solo fizeram um trabalho impecável, assim como os nossos técnicos de manutenção. Uma verdadeira equipa vencedora. Equipados para o frio extremo, aventurámo-nos no exterior, cumprimentámos pessoas, vimos detalhes e recantos da pista para uma maior confiança no sistema posto em prática. Tudo parece estar em ordem para operações repetitivas de e para a Antártida.
A descolagem de volta a CPT correu normalmente, assim como o voo de regresso. O cliente estava feliz, nós estávamos felizes. Todos os objetivos para este primeiro voo foram cumpridos. O evento foi registado pelo nosso repórter Marc Bow.
Carlos Mirpuri
Vice-Presidente da Hi Fly, Comandante dos voos Hi Fly 801/802 (Cidade do Cabo-Wolfs Fang (Antártida)-Cidade do Cabo”
- Fotos © Hi Fly/Marc Bow