Quem nasce nas ilhas sabe que mais cedo ou mais tarde irá partir. Nunca se sabe por quanto tempo, se irá ou não voltar, mas o desejo de regressar nem que seja por poucos dias está lá, todos os dias, desde o nascer até ao pôr-do-sol. Um desejo aceso por pequenas lembranças sejam elas linguísticas, gastronómicas ou pelo simples de facto de apreciarmos uma imagem das ilhas de bruma.
Nascida e criada no Açores, cedo soube que o meu futuro seria longe da ilha, tal como milhares de açorianos espalhados pelo mundo. É que a ideia de emigrar é-nos incutida praticamente à nascença.
“É preciso ir lá fora conhecer o mundo”, dizem-nos. E é mesmo verdade.
É preciso sair da redoma de proteção familiar e partir à descoberta de novos países, culturas, línguas e costumes. Tudo o que não podemos ver ali naquele pedacinho de terra. Sair é fácil para alguns, difícil para outros. Não há casos iguais, mas com o tempo passamos a dar mais importância ao que é nosso, às nossas raízes, ao privilégio de ter tido a oportunidade de brincar na rua com os amigos à vontade até altas horas nas noites de verão, de ir a uma praia ao lado de casa sem amontoados de pessoas, dos passeios de bicicleta, das subidas ao Pico, dos acampamentos nos festivais de verão. Bocadinhos de adolescência que transportam a mente para o arquipélago por momentos em qualquer circunstância.
Com o tempo as idas à ilha são cada vez mais apreciadas. O pouco tempo disponível para aproveitar tudo o que é bom arrasa por completo a ideia do destino de descanso e relaxe. É preciso visitar fulano, sicrano e beltrano. É preciso ir aqui, ali e acolá. É preciso comer isto e aquilo, iguarias inexistentes noutro sítio qualquer. O tempo é escasso para tamanha oferta, mas tudo sabe pela vida quando se vive fora.
Habituada às paisagens maravilhosas do arquipélago dos Açores, vistas de picos, montes, serras, lagoas, cascatas, caldeiras, vulcões cedo aprendi a percorrer os trilhos mais bonitos à vista e ao coração de qualquer pessoa que lá passe. Faltava ver a paisagem do céu. Sem ser num avião comercial, claro. Foi essa a oportunidade que tive nos últimos dias. Sobrevoar parte da costa norte da ilha de São Miguel num balão de ar quente, numa manhã quente, luminosa e sem vento para desfrutar de um voo calmo e sereno sobre os terrenos cultivados e pastagens da Ribeira Grande.
Pilotados por Aníbal Soares pudemos sentir o cheiro matinal da terra e do mentrasto contrastado por uma brisa suave e salgada do mar. À nossa volta juntavam-se duas mãos cheias de balões coloridos. Pequenos pontinhos no horizonte que se aproximavam de vez em quando empurrados pela fraca aragem que se fazia sentir. Um voo único e sensorial, que nos permitiu apreciar a ouvir as maravilhas naturais deste pequeno paraíso português, seguido de uma aterragem perfeita, na vertical, num terreno de pasto.
O voo de balão foi apenas uma gota num oceano de aventuras proporcionadas pela organização do Primeiro Festival de Balões de Ar Quente da Ribeira Grande – Feel the Sky. Ao longo de quatro dias pudemos voar de balão, acompanhar as equipas de resgate aos balões e conhecer o mundo do balonismo, desde as condições para voar, regras de segurança, insuflação, condições atmosféricas, questões técnicas, tipo de gásutilizado, altitude permitida e até arrumação do balão.
Esta foi também uma oportunidade para a população da ilha de São Miguel, mais propriamente do concelho da Ribeira Grande, ter um primeiro contacto com os balões de ar quente. Expressões de curiosidade, expectativa e deslumbramento eram visíveis na cara dos que passaram pelo antigo Aeródromo de Santana, local indicado para a descolagem dos balões. A festa continuava noite dentro com os Night Glow, espetáculos de som, luz e cor, com os balões como personagens principais. Encontros perfeitos para quem desejava ver os balões de mais perto, colocar questões e testemunhar a amizade existente entre as equipas de balonistas. Findos estes quatro dias de adrenalina intensa fica a promessa do autarca e da organização de tudo fazer para que a segunda edição do festival seja uma realidade.
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Rute Lacerda, natural dos Açores, formada em Jornalismo pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Iniciou a carreira na SIC Notícias em 2006, tendo feito parte da equipa fundadora do projeto Parlamento Global da SIC Notícias/RR/Expresso até ao final de 2010. Atualmente é pivô da ARTV, Canal Parlamento, colaboradora da Newsavia e da Revista Avião. O gosto pela aviação começou em 2012 por acaso, aquando do convite do fotógrafo André Garcez para uma reportagem. Foi o início da aventura aeronáutica.