Existe um ditado entre pilotos de Boeing 737 que diz, de maneira descontraída, que é possível deduzir a experiência de um piloto neste modelo de avião pela expressão que este utiliza quando o automatismo o surpreende.
Se o piloto é pouco experiente, dirá “O que ele está fazendo?” Se já possui alguma experiência, dirá “Nunca o vi fazer isso.” Já se for bastante experiente, dirá “Às vezes ele faz isso…”
Logicamente, é uma brincadeira, mas como quase toda brincadeira, tem um fundo de verdade. Toda aeronave moderna dispõe, num nível ou outro, de algum grau de automatismo. De tempos em tempos, tomamos um choque, pois a tecnologia dá saltos que levam a eficiência e a segurança a níveis cada vez maiores, mas para isso é necessário que as tripulações estejam familiarizadas com estes recursos. Existe uma crença de que as aeronaves da Airbus são mais automatizadas que as da Boeing, e que a própria filosofia das duas maiores fabricantes mundiais são conflitantes. Isso pode ser verdade quando comparamos um Boeing 737 a um Airbus A320, mas nos modelos maiores e mais modernos, essa diferença é mínima. Os modelos wide de ambas são extremamente automatizados, dispondo inclusive de envelopes de proteção e fly by wire – ainda que a Boeing seja irredutível com relação aos sidesticks há muito adotados pela Airbus.
Mas mesmo um 737 é bastante automatizado, e conforme os softwares que rodam nos computadores da aeronaves vão se aperfeiçoando, novos recursos vão surgindo, o que demanda uma atualização permanente dos seres humanos que operam estes sistemas. Muitos acidentes foram causados no passado pelo não entendimento por parte dos pilotos do automatismo da máquina. Por isso, alguns preferem assumir para si certas tarefas, reduzindo o nível de automatismo ao mínimo, ou seja, com eles pilotando diretamente o piloto automático. Na verdade, esta é até uma recomendação dos fabricantes para certas situações, e o back to basics é cada dia mais estimulado pelos operadores.
Toda vez que o automatismo lhe surpreender, ou seja, quando o avião não fizer exatamente o que você espera que ele faça, reduza o nível de automatismo. No nível mais alto de automatismo, a aeronave cumpre o que foi programado em seu computador de bordo. No caso do Boeing 737NG, seria um voo totalmente LNAV/VNAV. Se estes modos não forem suficientes para se adaptar a uma solicitação do controle de tráfego, pode-se utilizar modos mais baixos de automatismo, como HDG SEL ou LVL CHG, por exemplo, em que o piloto controla diretamente o piloto automático, e não através da inserção de dados no FMC. Se ainda assim a aeronave não fizer exatamente o que você quer, ou se a reação necessária seria demasiado lenta usando o piloto automático, então reduz-se o automatismo a zero, voltando-se ao voo manual, que é a base sobre a qual todo piloto constrói sua carreira: isso pode ser necessário numa arremetida, numa manobra evasiva, ou mesmo num descuido durante o manuseio do piloto automático que leve a uma reação indesejada da aeronave.
Há modos intermediários do piloto automático também: no caso do 737NG, o modo CWS é uma forma de se “pilotar o piloto automático” diretamente através do manche, e lembra muito algo com o qual os pilotos de Airbus estão bem familiarizados, pois a posição em que se colocar a aeronave, ela seguirá voando. Mas é um modo raramente usado na prática. Por outro lado, o modo de aceleração automática – auto-throttle – pode e em certas situações é comumente sobrepujado pelos pilotos, com comandos diretos sobre as manetes, por exemplo numa aproximação num dia quente, com muitas térmicas, nas quais o sistema reage mais lentamente que o desejado às flutuações de velocidade e energia do avião.
Outro conceito bastante importante quando falamos de piloto automático é com relação às ações dos pilotos numa tripulação múltipla: o piloto que está voando (Pilot Flying) deve verbalizar o que está fazendo para o piloto que está monitorando (Pilot Monitoring). Desta forma, o que é inserido e acionado no piloto automático é confirmado por ambos através do FMA: não basta apertar o botão, há que se conferir se o sistema aceitou o comando. É um conceito simples, mas fundamental para segurança de voo.
Muitos leigos entendem de forma equivocada ou incompleta o piloto automático, mas isso é compreensível. O problema é quando pilotos profissionais o fazem, e acabam virando passageiros dos aviões que deveriam estar pilotando.
Glossário:
VNAV – modo de navegação vertical que usa como referência cálculos do computador de bordo para cumprir uma rampa (path) ou velocidade (speed).
LNAV – modo de navegação lateral que usa como referência a rota inserida no computador da aeronave.
LVL CHG – modo de navegação vertical que utiliza como referência velocidade, adequando o pitch da aeronave à potência usada.
FMC – flight management computer, o computador que gerencia o voo.
CWS – control wheel stering, modo do piloto automático que ao invés de usar botões e valores, usa o próprio manche como comando.
FMA – flight mode annunciator, conjunto de legendas no topo do PFD (primary flight dispaly) que mostra quais modos do automatismo estão sendo usados (em verde), acabaram de ser acionados (quadrado verde com letras verdes) ou estão em stand-by ou armados (em branco).
Foto: Um Boeing 737-800 se prepara para pousar diante das lentes do fotógrafo Isac Mamede.
Sou fã de aviação, mas o 737 me parece mais seguro pois tem menos eletrônica e não tem sidesticks, que desequilibra o corpo.
Desculpe, mas o seu comentário não tem por onde se pegue. “Desequilibra”??? Que há mais autómatos no A320, sem duvida, mas em termos de ergonomia, não tenha duvidas que o A320 é bem mais avançado, e para por um ponto final na sua questão, o sidestick não desequilibra rigorosamente nada. Um bom dia.