Paulo Manso, presidente da Direção do Sindicato dos Técnicos de Manutenção de Aeronaves (SITEMA), deu uma entrevista ao portal de notícias de aviação ‘Newsavia’. Fala sobre a sua atividade profissional e, também, em nome das muitas centenas de Técnicos de Manutenção de Aeronaves (TMA) que hoje trabalham em Portugal e que confiam na sua liderança.
Trata-se de uma classe profissional com “uma formação muito boa e com excelente nível técnico”, caracteriza o sindicalista. Os trabalhadores são muito disputados no mercado de trabalho, nacional e internacional. Não há dificuldades de formação, em escolas reconhecidas ou nas próprias companhias aéreas, que também formam os seus profissionais. A Força Aérea Portuguesa tem sido também um viveiro de competentes TMA que enveredam pela aviação civil, quando terminam as suas comissões de serviço obrigatório ou os seus contratos com a entidade militar.
A segurança do transporte aéreo é o principal objetivo do trabalho dos TMA. Por isso a paz laboral e o bom relacionamento em toda a estrutura empresarial é muito importante para o sucesso de todos os envolvidos no negócio da aviação.
Paulo Manso considera que o desequilíbrio salarial existente entre o mercado nacional e internacional “é muito pronunciado”, pelo que continua a ser muito grande a saída de muitos TMA portugueses para outros países, onde o seu trabalho é melhor reconhecido em termos monetários. Há que encontrar uma solução nas empresas.
Acerca do Grupo TAP, onde também trabalha o presidente do SITEMA, a situação não é famosa. À nossa pergunta, Paulo Manso responde que os problemas “terão de ser ultrapassados com a cooperação e o envolvimento de todos”. “A empresa, com todos os problemas que tem, não pode continuar a ir neste caminho, temos todos de recuperar o bom ambiente e as relações normais entre a administração e os trabalhadores”, adianta o sindicalista.
Sobre se a entrada de um sócio forte no Grupo TAP poderia ajudar na solução, responde Paulo Manso: “Nós não temos tabus nem preconceitos quanto aos modelos de negócio, sejam eles privados ou públicos. Para nós [SITEMA], o importante é o fator conhecimento e competência.”
A seguir, o texto integral da entrevista concedida por Paulo Manso ao ‘Newsavia’:
– Como analisa a atual situação dos Técnicos de Manutenção de Aeronaves (TMA) em Portugal, em termos de formação e em termos laborais?
– Em termos de formação profissional, os TMA em Portugal dispõem de uma formação muito boa e com excelente nível técnico. A qualidade e disputa por estes profissionais é elevada, nomeadamente por parte de empresas estrangeiras.
– Há hoje em Portugal diversas empresas e bases de trabalho, em companhias aéreas nacionais e estrangeiras que escalam os nossos aeroportos, e em empresas fabris ou que prestam serviços no sector, desde a aviação ligeira à aviação comercial. Como se movem os TMA nestes segmentos de atividade, de alta qualificação técnica, e como se enquadram nas empresas?
– Em Portugal, até há uns anos, os TMA formavam-se na Força Aérea Portuguesa (FAP) e depois passavam para a indústria civil, nomeadamente para a OGMA e para a TAP. Alguns dos colegas da OGMA saíram depois para a PGA – Portugália Airlines, devido ao tipo de avião que esta empresa opera, o Embraer. A TAP, como a grande empresa nacional do sector, era a empresa que oferecia melhores condições aos trabalhadores e era disputada como potencial local de trabalho. Nos últimos anos, a realidade tem vindo a ser alterada, a entrada de novas empresas no mercado nacional tem vindo a disputar profissionais, inclusive à TAP. Neste momento, o mercado está completamente aberto e existe uma passagem de TMA entre as várias empresas nacionais – TAP, SATA, PGA, OGMA, MESA, Euro Atlantic, NETJETS, etc.
– A regulamentação é a europeia (EASA). Considera que no nosso País e nas empresas nacionais está a ser cumprida a legislação nacional e as diretivas europeias?
– A legislação é o garante de várias coisas, sendo a mais importante a segurança. O transporte aéreo não sobrevive sem uma legislação forte e que seja cumprida por todos. Devem ser as empresas os principais guardiões deste compromisso, e nós, TMA, devemos ter uma cultura de rigor, onde o facilitismo e a complacência não tenham lugar. A segurança não é algo acessório, é fundamental, e não pode ser relegado para segundo plano ou ser subalternizado pelas questões financeiras. A segurança tem de vir sempre em primeiro lugar. Mas não podemos ignorar que cada vez mais há uma maior pressão ditada pelas questões económicas que pode fazer perigar tudo isto. Para tal, é importante – diria mais: importantíssimo –, uma cultura sólida de segurança, nas empresas e em todos nós que trabalhamos neste ramo. Os TMA têm de conseguir gerir as relações de poder nas empresas e assegurar o seu principal objetivo, a segurança do transporte aéreo. É de igual importância uma presença efetiva e capacidade de resposta da autoridade nacional nesta fiscalização do cumprimento da legislação.
– A Força Aérea Portuguesa foi durante muitos anos um viveiro de TMA. A aviação militar, após o tempo de comissão obrigatória, continua a ser uma boa escola para os TMA, tendo em vista o futuro profissional de quem pretende seguir esta carreira?
– Sou suspeito nesta resposta, porque a minha formação inicial foi feita nesta grande escola de profissionais e de homens. Como tal, continuo a pensar que esta pode ser uma porta de entrada para este mundo profissional. Depois, compete a cada um dos vários profissionais formados na FAP fazer a formação necessária para dar o ‘salto’ para a aviação civil, que tem uma legislação muito mais rigorosa e apertada.
– A ‘fuga’ de TMA portugueses para empresas no estrangeiro tem a ver, normalmente, com questões salariais. Como é possível cativar esta mão de obra e retê-la em Portugal?
– Há dois grandes vetores que contribuem para a satisfação de qualquer profissional: a remuneração e o ambiente de trabalho. Os TMA não são exceção, a remuneração é um dado importante em toda esta equação. O desequilíbrio existente entre o mercado nacional e internacional é muito pronunciado. Por outro lado, o ambiente de trabalho é algo em que as empresas devem apostar cada vez mais, as relações de poder e as pressões resultantes da procura de resultados estritamente económicos leva a que, por vezes, o ambiente de trabalho não seja o mais adequado ao desempenho das nossas funções. A pressão inerente ao desempenho das nossas tarefas já é elevada, o stress tem de ser bem gerido. Concluindo: as empresas devem ter uma preocupação em reter o know-how e a experiência, porque isso, sim, vai aportar melhores resultados às empresas e, para tal, têm de se aproximar do que o mercado paga. Por outro lado, devem fomentar ambientes de trabalho agradáveis para que os profissionais se sintam bem.
– Algumas escolas de formação de TMA em Portugal defendem a abertura de cursos profissionais, já ao nível do ensino secundário, para jovens estudantes que pretendam seguir essa profissão. Como vê o SITEMA essa via profissionalizante de ensino e as perspetivas de sucesso para esses candidatos à profissão?
– Nós, SITEMA, vemos com bons olhos uma aposta numa formação de qualidade que assegure a formação de profissionais competentes. Se pudermos começar a investir e preparar os futuros técnicos num estágio mais precoce, tanto melhor. Até porque, tão importante quanto o saber fazer, é a cultura necessária ao desempenho desta profissão, e quanto mais cedo essa cultura começar a ser passada, melhores técnicos iremos formar. Isso será benéfico para a indústria da aviação civil, quer em termos económicos, quer em termos da segurança.
– TAP, SATA, Portugália Airlines, Hi Fly e Euro Atlantic Airways são as companhias de maior dimensão em Portugal. Cada uma é um caso, por motivos que todos sabemos, nas suas diferenças ou maneiras de estar no mercado. Do ponto de vista do SITEMA, e pela parte dos TMA, como analisa a situação de cada uma dessas empresas no tratamento com os seus profissionais e do ponto de vista técnico, atendendo ao mercado e à concorrência?
– Nas empresas do grupo TAP – TAP e PGA – a situação não está nada famosa. As condições salariais estão muito más e o ambiente de trabalho também não é o melhor, daqui resulta uma purga quase diária de TMA, o que é mau para o próprio negócio. A SATA, com esta nova administração, tem vindo a ter um papel muito disponível e dialogante, o que tem possibilitado a resolução de alguns problemas e melhoramento das condições dos TMA nesta empresa. Isto vê-se até pelos resultados económicos da empresa. Diria que entre as empresas nacionais é capaz, neste momento, de ser um bom exemplo de como as relações laborais devem funcionar. A Hi Fly e Euro Atlantic disputam um negócio muito semelhante – o ACMI. A Hi Fly até tem vindo a recrutar alguns TMA na TAP. O ambiente nestas duas empresas é um pouco específico já que são empresas com menos TMA e vivem muito de um modelo de negócio em que os próprios TMA trabalham de forma mais isolada.
– O Grupo TAP é o grande problema da aviação comercial em Portugal. Os últimos desenvolvimentos – falta de técnicos suficientes para assegurar o serviço total, os despedimentos e as dispensas feitas em 2020/21, as promessas da Comissão Executiva em admitir os funcionários que estão a prazo se forem colaborantes com a atual fase em que todos deveriam ajudar na recuperação da empresa – poderão ser ultrapassados com a cooperação dos sindicatos e dos trabalhadores?
– Eu diria mais: não é só ‘poderão’, terão de ser ultrapassados com a cooperação e envolvimento de todos. A empresa, com todos os problemas que tem, não pode continuar a ir neste caminho, temos todos de recuperar o bom ambiente e as relações normais entre a administração e os trabalhadores. Isso é fundamental para a recuperação do grupo TAP. Os trabalhadores do grupo TAP sempre foram o seu maior ativo. Compete à gestão perceber que esse terá de ser o caminho.
– A eventual entrada de um sócio forte na TAP, como por exemplo, uma grande companhia aérea internacional, poderá resolver os problemas de gestão da empresa e manter um melhor relacionamento com os seus trabalhadores?
– Nós não temos tabus nem preconceitos quanto aos modelos de negócio, sejam eles privados ou públicos. Para nós, o importante é o fator conhecimento e competência. Um player forte desta indústria que possa vir a entrar na TAP pode ser uma parte importante da solução para a empresa. Esta é uma indústria altamente competitiva onde só os melhores, os mais capacitados e competentes terão lugar. O importante para o país e para a economia nacional é que fiquem salvaguardadas algumas variáveis deste negócio. Isso compete à tutela fazê-lo, nomeadamente que a TAP continue a ser uma empresa com ADN próprio. Quanto a nós, trabalhadores, se o tal parceiro tiver as características que aqui enumeramos penso que não nos temos de preocupar. As empresas precisam de trabalhadores e os trabalhadores precisam das empresas. Para que este ecossistema funcione bem tem de haver bom relacionamento e respeito mútuo.