Dentre todos os aeroportos dos quais nos lembramos, nenhum é mais marcante para um piloto do que o aeroporto onde ele aprendeu a voar. E o meu, jamais eu poderia imaginar, seria em uma cidade na qual eu nunca ouvira falar antes. Estávamos em março de 2012, e eu tomara a decisão da minha vida: aproveitando-me de uma licença não-remunerada oferecida pela companhia aérea onde eu trabalhava como comissário, eu teria um ano para me tornar piloto comercial. A ideia inicial era fazer o curso no Brasil, mas pela indicação de um copiloto amigo meu, resolvi fazê-lo nos Estados Unidos. O nome da cidade onde ficava a pequena escola familiar? DeLand, em algum lugar da Florida.
Depois de todos os detalhes que envolvem o fato de se matricular, ganhar um visto de estudante e efetivamente embarcar, cheguei lá numa quinta-feira à noite, após uma exaustiva viagem de mais de doze horas com conexão no Panamá. Marcello e Felipe, dois alunos da escola, me buscaram no aeroporto internacional de Orlando, a umas 70 milhas da escola, e me levaram até o apartamento onde eu passaria as primeiras semanas, dividindo com outros dois alunos, também brasileiros, Rodrigo e André. A primeira noite é angustiante, e você pensa “o que estou fazendo aqui?” várias vezes, mas na manhã seguinte já me encantei pelo nosso bairro e arredores, e aquela sexta-feira ensolarada seria a primeira de quase trezentos dias em território norte-americano. E é muito fácil adaptar-se ao estilo local: leis que funcionam, cidades limpas e seguras, comida farta e barata, serviços de qualidade e baixa burocracia. A nós brasileiros, isso é quase o contrário do que estamos acostumados.
Uma semana depois eu estava voando pela primeira vez. Mais um mês eu solaria, mais dois meses e eu era piloto privado pela FAA. Tive que voltar ao Brasil, mas assim que retornei para seis meses ininterruptos na Florida, a instrução voou. O curso de voo por instrumentos, as provas, os checks, as navegações do time-share, e já no início de 2013, o curso de multi-motor, a instrução e check do Commercial. Em oito meses e meio fui do zero a PC MLTE IFR com 250 horas, exatamente os mínimos que me permitiriam conseguir o primeiro emprego como piloto um ano e meio depois. Agora, olhando em perspectiva, fica fácil ver o desenrolar das coisas, de forma harmônica, quase como um maktub. Mas não foram poucas as aflições financeiras, o nervosismo pré-checkride, a frustração a cada vaga de emprego que não aparecia ou escapava, e se hoje eu vejo o pôr-do-sol pela janela direita de um Boeing 737 Next Generation e suspiro, é porque sei – como todos sabem em suas lutas diárias – que não foi fácil. E de todas as cinco ou seis dezenas de aeroportos em que já pousei, nenhum jamais terá o efeito melancólico que KDED, ou Deland Municipal-Sidney H Taylor Field Airport, tem sobre mim. Como já fiz um par de vezes nos últimos anos, espero em breve poder visitá-lo de novo. Seja para admirar os paraquedistas que teimam em se jogar do Skydive, seja para comer o hamburguer anexo ao FBO, seja para só olhar aquelas duas pistas cruzadas com um Cessna decolando e relembrar de tudo que vivi para chegar até aqui.
Foto: Em um dos belos fins de tarde na rampa de DeLand esperando o Cessna 172 que eu voaria pousar. Foto da minha primeira passageira – naquele dia – e esposa – todos os dias, Verônica.
Que texto lindo Enderson! Você merece (e muito!) estar onde está, e alcançar todos os seus objetivos. Você é um exemplo pra mim, te admiro demais! Agradeço a Deland pela amizade, sua e da Vê, na minha vida. Bjs