Uma visão genérica do sistema de acordos bilaterais de transporte aéreo em Moçambique

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Autor: Francisco Cabo

INTRODUÇÃO

 

Em Moçambique a aviação civil, em particular, o transporte e trabalho aéreos são de capital importância para o desenvolvimento político, económico e sócio-cultural do país. Assim, em termos gerais, segundo o IACM (2003), três são os factores que determinam a importância deste sector, nomeadamente:

  • A extensão territorial ,onde existem zonas que são acessíveis pelo transporte aéreo dada a falta de outros meios de transporte;
  • A situação geográfica do País, onde frequentemente  ocorrem calamidades naturais, tais como secas e cheias;
  • O  turismo e outras actividades económicas produtivas, cujos seus desenvolvimentos, em  particular do sector  do turismo,  dependem de um transporte aéreo adequado.

Novos desenvolvimentos têm marcado os últimos cinco anos no transporte aéreo moçambicano, com enfoque para a entrada e saída do país da lista negra do espaço aéreo europeu, a entrada de novas companhias aéreas no cenário do mercado doméstico, com realce para a Ethiopian Airlines Mozambique, a proposta dos Aeroportos de Moçambique (ADM) para a redução dos actuais nove aeroportos internacionais para apenas três, e a nova metodologia dos acordos bilaterais de transporte aéreo, que já congregam de forma mais enfática os pressupostos da Decisão de Yamoussoukro, documento normativo da União Africana que define os mecanismos para a liberalização do mercado de transporte aéreo em África.

 

  1. Visão Geral da Estrutura do Transporte Aéreo em Moçambique

 

Muitas transformações contribuíram e contribuem para o desenvolvimento da aviação civil em Moçambique, com particular incidência para o sistema estrutural e institucional, os recursos humanos e financeiros e na indústria aeronáutica. Essas transformações foram de âmbito nacional, regional e internacional, donde se destacam os seguintes:

 

  • A desestabilização sofrida pelo  País  nos  primeiros  anos das  Independência Nacional;

 

  • As calamidades naturais;

 

  • Políticas macroeconômicas introduzidas;

 

  • Acriaçãoda Comunidade de Desenvolvimento dos Países da África Austral –SADC;

 

  • A participação activa do sector privado nas actividades da aviação civil;

 

  • A paz vivida como resultado do Acordo geral de Paz; e

 

  • efeitodo11deSetembrode

 

O  desenvolvimento histórico da aviação  civil tem  seu início com  a  publicação da primeira legislação em 1931 (Diploma Legislativo nº0315, de 22 de Agosto de 1931)e da criação em 1936 da Direcção de Exploração dos Transportes Aéreos (DETA). Paralelamente a estes desenvolvimentos estabeleceu-se em 1954 os Serviços da Aeronáutica  Civil(SAC)como autoridade ligada a este sector.  Com o país, a Independência Nacional trouxe um marco e novas etapas de desenvolvimento do sector, sendo de realçar, em termos institucionais:

  • De1983 até2001,SecretariadeEstado daAeronáuticaCivileDirecçãoNacional daAviaçãoCivil;
  • De 2001 até  2003,  Direcção Nacionalda Aviação  Civil, sendo de  realçar a implantaçãodoIACMem2001,atravésda aprovaçãodoDecreto41/2001.

 

As transformações ocorridas prendem-se com a necessidade de seu enquadramento e adequação no âmbito do desenvolvimento político e socio-económico ocorrido em Moçambique e, particularmente, no enquadramento institucional.

De forma sintética, seguem as fases de desenvolvimento da aviação civil em Moçambique:

 

1ªFase(1975-1978): caracterizada por:

  • Queda do nível de segurança aérea;

 

  • Escassez de recursos humanos qualificados; e

 

  • Escassez de fundos para a reabilitação e manutenção de infra-estruturas.

 

2ªFase(1979-1981), caracterizada por:

 

  • Criaçãodas Linhas Aéreas de Moçambique – LAM,E.;

 

  • CriaçãodaTransporte e Trabalho Aéreo – TTA,E.;

 

  • Criaçãodos Aeroportos de Moçambique – ADM,E.;

 

  • CriaçãodaEscola Nacional de Aeronáutica – ENA;e

 

  • CriaçãodaSecretária de Estado da Aviação Civil – SEAC.

 

3ªFase(1982-1984), caracterizada por:

 

  • Recrudescimento do processo de desestabilização do país;

 

  • Utilização do transporte aéreo e marítimo como alternativas seguras;

 

  • Programas de emergência;

 

  • Programas de assistência técnica dados por diversos países e pelo PNUD;e

 

  • Reabilitação de algumas infra-estruturas aeroportuárias.

 

4ªFase(1989-1998), caracterizada por:

 

  • Aprovação da Política dosTransportes(Resolução5/96, de 2Abril);

 

  • Reestruturação da LAM, EE para LAM,SARL;

 

  • Transformação da ADM, EE para ADMEP;

 

  • Privatização da TTA;

 

  • Aprovação do Decreto39/98;e

 

  • Aprovação do Decreto50/96.

 

 

5ªFase(1999-2003) caracterizada por:

 

  • Processo de criação do IACM;

 

  • Aprovação da nova legislação da Aviação Civil;

 

  • Revisão e estabelecimento de regulamentação técnica e económica da Aviação Civil de Moçambique ;e

 

  • Aprovação da nova Política de AviaçãoCivil.

 

6ªFase(2004-2016), caracterizada por:

 

  • Ratificação da Decisão de Yamoussokro – que define os mecanismos liberalização do mercado de transporte aéreo no continente africano;
  • Aprovação do Decreto nº39/2011, que aprova as normas de exploração do transporte aéreo em Moçambique;
  • Transformação do IACM em autoridade da aviação civil com a criação da Lei da Aviação Civil nº 5/2016;
  • Banimento e saída dos operadores aéreos moçambicanos da lista negra do espaço aéreo da União Europeia;
  • Introdução da duo-designação nos Acordos Bilaterais de Transporte Aéreo com os países da África Austral

Conforme o IACM(2003), a política de transporte aéreo durante vários anos foi marcada pela defesa do monopólio estatal, donde o domínio empresarial era detido pelas empresas como as Linhas Aéreas de Moçambique-Empresa Estatal(LAM),a Trabalho eTransporte Aéreo– Empresa Estatal (TTA) e  os  Aeroportos  de  Moçambique  –  Empresa Estatal (ADM). Desde a sua criação em 14 de maio de 1980 até o ano de 1997 a LAM teve o monopólio na exploração da rota Maputo-Beira-Nampula-Pemba e vice-versa, que era também conhecida como a linha dorsal da aviação civil em Moçambique.

 

Com a perda do monopólio da LAM nesta rota, o Conselho de Ministros aprovou o Decreto nº39/98, posteriormente revogado pelo Decreto nº 39/2011, que regulamenta o exercício das atividades de transporte aéreo doméstico e trabalho aéreo público. Deste modo, abriu-se o mercado aéreo doméstico na linha dorsal a outras operadoras aéreas, facto que veio a se refletir na entrada no mercado da operadora Air Corridor, em Agosto de2004, o que marcou o fim do monopólio da LAM no segmento doméstico.

 

De acordo com oIACM (2018)na actualidade, são 5 os operadores nacionais certificados pelas autoridades para efectuarem o transporte aéreo regular doméstico, nomeadamente: as Linhas Aéreas de Moçambique (LAM), a Moçambique Expresso (MEX), a CR Aviation, a Solenta Aviation Mozambique (FastJet) e a Ethiopian Airlines Mozambique.

Relativamente a infraestrutura aeroportuária, IACM(2007)refere que a mesma é composta por dois conjuntos específicos que operam de forma coordenada e integrada ,e destinam-se a tornar a actividade segura, regular e eficiente:

 

  1. a) Espaço aéreo nacional;

 

  1. b) Infraestruturasaeroportuárias eajudas anavegaçãoaérea.

O primeiro conjunto compreende o sistema de controle, gestão, estrutura do espaço aéreo nacional incluindo o sistema de ajudas à navegação e controle do tráfego aéreo 24. Em relação ao segundo conjunto, os dados apontam para a existência de 319 infra-estruturas  aeroportuáriasdistribuindo-se as suas tutelas da seguinte forma: Empresa Aeroportos de Moçambique, ADM E.P.(19), Campos de Aviação (229), Militares (10) e Privados (61).

 

 

Figura 1 – Aeroportos e aeródromos geridos pelos ADM

Fonte:ISUTC, 2011

Por outro lado ,prevê-se que as ações da ADM sejam voltadas à permissão para que alguns dos aeródromos sirvam de“hub”,centros de convergência e de distribuição de tráfego na região onde estão localizados .Deste modo, é previsto que os aeródromos de Maputo, Beira, Pemba, Vilankulo e a base aérea de Nacala, ora militar, funcionarão como pólos de atração do investimento privado(ADM, 2007).

De acordo como MTC(2008),a análise das atuais condições operacionais das infraestruturas aeronáuticas vem revelando a existência de desequilíbrios entre ao ferta de capacidade/serviços aeroportuários e as demandas de tráfego, em alguns dos principais aeroportos nacionais.Os fatores determinantes destes desequilíbrios, de acordo com o MTC são:

  • O acelerado  incremento das  operações  “charters”,  domésticas   e  regionais, transportando  principalmente   turistas,  que  vêm   pressionando  fortemente a capacidade de determinados aeroportos nacionais não equipados para receber o aumento e a natureza desse tráfego;

 

  • O recente  e acentuado aumento da procura  pelos serviços de  transporte e armazenamento de carga nos aeroportos, decorrente da opção dos usuários por um serviço mais rápido, mais eficiente e de melhor qualidade;

 

  • A ocupação desordenada da área ao redor dos aeroportos ,limitando seu potencial de desenvolvimento; e

 

  • A insuficiência de recursos para investimentos no sistema  para  atendimento à acelerada evolução do transporte aéreo

Em face destes fatores e visando à priorização dos investimentos setoriais, as principais necessidades da aviação civil moçambicana são a ampliação e modernização de aeroportos e auxílio à navegação aérea. A perspectiva desta reestruturação e os altos custos da expansão e adequação das infra-estruturas aeroportuárias exigem, no horizonte da estratégia da aviação civil, prioridade aos aeroportos localizados em áreas com franco crescimento da procura turística e de investimentos para o desenvolvimento(MTC, 2008).

A par destes desenvolvimentos, em 2017 os ADM propuseram ao Governo de Moçambique a redução dos aeroportos internacionais de nove (Maputo, Inhambane, Vilankulo, Beira, Tete, Nampula, Nacala, Pemba e Lichinga) para três (Maputo, Beira e Nacala), como forma de rentabilização das infraestruturas aeroportuárias e para dar mais pujança às companhias aéreas nacionais face a crescente competição impostas principalmente pelas companhias aéreas sul-africanas.


  1. Acordos Bilaterais de Transporte Aéreo

A prática de assinatura de Acordos Bilaterais de Transporte Aéreo vem desde a Independência Nacional(1975),sendo seus princípios gerais adaptados à realidade socio econômica(IACM,2003).Assim, foram privilegiados os aspectos com vertente política tanto interna como externa, nomeadamente:

 

  • Estabelecer relações com os países que serviram de retaguarda à luta armada de libertação nacional;
  • Estabelecer relações com os países considerados aliados naturais, ou seja, aqueles cuja identidade ideológica era comum; e
  • Estabelecer relações com países emergentes, ou seja, os recém-independentes.

 

Constituíam princípios dominantes dos Acordos Bilaterais, os seguintes:

  • Mono designação;

 

  • Single entrypoint( ponto de entra da único);e

 

  • Pré-determinação das capacidades e frequência

 

Actualmente são tónica dominante nos acordos os seguintes princípios:

 

  • Multi designação por país;
  • Duo designação por rotas;
  • Multiply entry points -múltiplos pontos de entrada; e
  • A tendência para que a definição de capacidades e frequências seja ao critério dos intervenientes, baseados no tráfego existente e no mercado

 

  1. Decisão de Yampussoukro

Os  ministros africanos responsáveis pela Aviação  Civil, reunidos  em Yamoussoukro, capital política da Costa do Marfim, aprovaram em 14 de Novembro de 1999 uma decisão relativa à liberalização gradual do mercado de transporte aéreo intra-África.Surgiu assim a Decisão de Yamoussoukro (DY),que entrou em vigor a 14de Agosto de 2000, com os seguintes objetivos:(i)liberalização da concessão dos direitos de tráfego(entenda-se direitos de exploração)nas rotas intra-África;(ii)levantamento de restrições relativas ao número de voos a efetuar bem como ao número de passageiros, carga e/ou correio a transportar; iii) possibilidade de designação de pluralidade de operadores para as rotas intra-África; e(iv) não intervenção dos Estados na determinação dos preços praticados na prestação de serviços aéreos (Sal&Caldeira, 2008).

 

No espírito da DY adoptou-se uma nova metodologia na elaboração de políticas no respeitante a liberalização da indústria do transporte aéreo no continente africano. Assim, os Estados signatários garantem às companhias elegíveis os seguintes direitos:

  • O livre exercício dos direitos da primeira, segunda, terceira, quarta e quinta

 

  • Liberdades do Ar;

 

  • Liberdade de operar as frequências e capacidades que bem lhes convierem ;e

 

  • Liberdade de impor tarifas sem a aprovação das Autoridades Aeronáuticas dos Estados Signatários

 

  • Livre transferência de excedentes, sem restrição e aplicação de dupla tributação;

 

  • Garantia de concorrência leal; e

 

  • Ser designado por outro estado para explorar serviços de transporte aéreo em seu nome

 

Moçambique assinou a DY em assinou em 2002 e deu passos importantes para a sua implementação nos últimos cinco anos. O quadro legal e regulamentar sofreu mudanças na preparação para a implementação da DY. Esforços estão sendo feitos para garantir que o órgão regulador se torne uma organização autônoma. Um tremendo trabalho foi realizado para garantir que o espaço aéreo esteja pronto para acomodar o grande fluxo de tráfego aéreo esperado com a implementação completa do DY.

 

Os principais avanços que Moçambique registou em relação à DY prende-se com os Acordos Bilaterais de Transporte Aéreo onde política passou de um regime de designação mono para uma designação múltipla por país e designação dupla por rota. O país também tem estado a negociar e renegociar acordos bilaterais mais liberais. Outro desenvolvimento fundamental é o referente aos regulamentos e convenções. Neste quesito a autoridade da aviação civil está no processo de harmonização da política de transporte aéreo com a política da aviação africana para garantir que ela reflicta a posição africana. Além disso, o país está a incorporar todos os instrumentos legais internacionais pendentes na legislação nacional.

 

Actualmente Moçambique tem oito acordos bilaterais de transporte aéreo que estão a ser operacionalizados pelas companhias aéreas, nomeadamente: África do Sul (South African Airways, South African Airlink e Swift Flite), Quénia (Kenya Airways), Angola (TAAG), Etiópia (Ethiopian Airline), Qatar (Qatar Airways), Turquia (Turkish Airlines), e Portugal (TAP). Por seu lado, a LAM (a única companhia nacional que opera voos regulares para fora do país) voa para África do Sul, Quénia e Tanzânia.

 

  1. Conclusões

 

O cenário previsível com a implementação plena da DYéa não necessidade de assinatura de Acordos Bilaterais de Transporte Aéreo. A pergunta que se impõe é se o país está em condições de entrar para a liberalização plena nas condições da DY. A legislação em vigor no domínio  do transporte aéreo já contem algumas modificações em direcção ao novo ambiente económico liberal, contudo muito mais terá que se fazer neste domínio.

A aprovação pelo Governo de Moçambique dos normativos regulamentares atinentes à Defesa do Utente do Transporte Aéreo, Regulamento da Concorrência e Regulamento da Facilitação são de extrema importância para que o país esteja efectivamente alinhado com a posição africana.

Por último, mas não menos importante, é fulcral reformar as atitudes de todos intervenientes no sistema de transporte aéreo nacional. A autoridade da aviação civil tem neste quesito um papel fundamental para a consciencialização das partes do sistema relativamente à DY, principalmente numa altura em que o país regista a entrada de novos operadores, por sinal com matrizes internacionais, o que também mostra que há necessidade premente de revisão do Decreto nº 39/2011 e a adopção de legislação de regulação económica das infraestruturas aeroportuárias e dos serviços de navegação aérea.

 

  1. Referências bibliográficas

 

  • ADM (2007).  Relatório Anual do Plano Económico e Social  2006. Aeroportos de Moçambique, Map

 

  • IACM(2003). Fases de  Desenvolvimento  da Aviação  C Aeronáutica. Maputo, nº1,pp.3-6

 

  • IACM(2003).Acordos Bilaterais Aeronáutica.Maputo,nº1,pp.40-43.

 

  • ISUTC(2011)Sistemas Logísticos nos Transporte Aéreo de Passageiro sem Moçambique. Disciplina Operações e Sistemas Logísticos, Map

 

  • IACM (2018). Mapa dos Operadores Estrangeiros de Transporte Aéreo. Disponível em: https://www.iacm.gov.mz/empresas/

 

  • MTC(2008).Estratégia para o desenvolvimento integrado do sistema de transporte Maputo:Ministério dos Transportes e Comunicações.

 

  • União Africana (1999). Decisão de Yamoussoukro ECA/RCID/CCIVAC/99/RPTAnnexI.

 

 

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