Visita fortuita ao paraíso da aviação

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No último final de semana permiti a mim mesmo uma pequena extravagância. Como já comentei antes aqui, moro em Florianópolis, no sul do Brasil, mas a minha base é no Rio de Janeiro. Com a recessão que o país enfrenta, tem sido cada vez mais difícil vencer os 1.000 km que separam meu local de trabalho da minha casa, pois o número de voos diretos entre as duas cidades diminuiu a bem menos da metade nos últimos meses, exigindo de mim longos períodos de espera no aeroporto, ou em conexões via São Paulo, maior hub da malha doméstica brasileira – isso quando é possível ir ou voltar do Rio no mesmo dia. Portanto, dormindo menos de um terço das noites do mês em casa – o que com dez anos de aviação já pesa bastante – aproveitar uma sequência valiosa de folgas pedidas para viajar sem minha esposa requer uma ótima desculpa.

E a desculpa era bem boa, realmente. A escola onde fiz memoráveis voos de timebuilding e a qual hoje represento no Brasil, a Treasure Coast Flight Training, estava oferecendo uma festa de halloween com vista privilegiada para o show aéreo da cidade de Stuart, na Florida. Com o dólar valendo quase o dobro do que era quando eu fiz minha formação na FAA, todo movimento em direção ao norte deve ser bem pensado. Uma providencial passagem promocional num reluzente Boeing 777-300 e a carona e o sofá de amigos viabilizaram a viagem. Pousei um Boeing 737-800 suavemente na quinta à tarde no Rio, e após menos de 24 horas em casa, assistia da última fileira um pouso ainda mais suave antes do amanhecer de sábado na pitoresca Miami. Às onze da manhã estava matando as saudades do iHop, cujas panquecas e demais gordices aprendi a amar quando morei nos Estados Unidos. Mas o melhor estava por vir: já da mesa do café travestido de almoço eu ouvia os motores radiais dos T-6 da Aeroshell zunindo sobre as avenidas de Stuart, mas assim que cheguei no pátio da escola, onde se empuleiravam cadeiras e mesas para a festa de mais tarde, o dono da TCFT me chamou “Você não faz isso num 737, né?” apontando para um F-18 que após uma passagem baixa quase sumia numa ascendente barulhenta e espetacular. “O máximo que vi o Boeing fazer foi 9 mil pés por minuto” respondi, sem perder a deixa. “Not bad at all”, consentiu ele sobre a performance considerável que meu escritório demonstra em manobras evasivas no simulador.

A tarde de ensaios, a noite de festa com direito a show acrobático noturno, e o show do dia seguinte encheram o Witham Field com algumas das mais plenas formas de aviação que existem. Na rampa da escola, pela parceria da Treasure com a Cessna, era possível visitar e conhecer os detalhes de três aeronaves belíssimas: o mais veloz monomotor a pistão de trem fixo do mundo, o TTx – concorrente direto da Cirrus; um dos mais conceituados VLJs do mundo, o Mustang – concorrente direto do brasileiro Phenom 100; e um belo Cessna 206 Stationair, sem nenhum concorrente direto que me passe pela cabeça no momento – e cá entre nós, a aeronave que escolheria dentre as três, mas que custando mil vezes mais do que gastei na viagem está simplesmente fora de questão pelas próximas encarnações. Poucas coisas são tão prazerosas aos apaixonados pela aviação quanto um show aéreo nos céus da FAA. E mesmo eventos menos conhecidos, como o Stuart Airshow – anote aí, todo final de outubro – eclipsam sem dificuldade os maiores eventos da categoria no Brasil. De belos warbirds incrivelmente bem conservados a manobras inacreditáveis de aviões projetados para este fim; do pouso elegante de um Curtiss C-46 preservado por um senhor que o voou aos vinte anos de idade na Segunda Guerra à curva fechada de um F-16 cujos vórtices chicoteavam sobre nossas cabeças. Em meio a amigos que a aviação me apresentou, passei excelentes dois dias na Florida. E deixar um país que aprendi a amar e respeitar, e com o qual me identifico mais que tudo por seu esforço inigualável por preservar a cultura aeronáutica, é sempre doloroso. Mas o momento fatídico chegou, e após oito horas de voo, com outro belo triplo sete driblando as tempestades amazônicas, voltei à minha realidade no Brasil.

Sem dinheiro para sequer sonhar em comprar um avião, mas talvez por isso mesmo, acordando cedo para pilotar uma aeronave apaixonante de 80 milhões de dólares que não me pertence. Mas sem nunca esquecer o encanto de todas as outras aviações, pois no coração de um aviador apaixonado, cabem todas elas. A trabalho ou na folga.

  • Na foto vemos lendário North American P-51 Mustang se preparando para voar em formação com um General Dynamic F-16 Fighting Falcon no pátio do Jet Center, em Stuart (KSUA). Movido a pistões poderosos, a aeronave lançada em 1942 ainda é tão veloz quanto alguns jatos modernos, como seu homônimo VLJ da Cessna.

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