Nos últimos dias o mundo aeronáutico acompanhou com entusiasmo o voo Qantas 9, que com uma etapa sem paradas de pouco mais de 17 horas, cobriu as 9226 milhas náuticas entre Perth e Londres, no sonho de séculos em ligar a Austrália ao Reino Unido diretamente. Mas o Boeing 787-9, que transformou um feito histórico em um evento cotidiano quase trivial, não está sozinho. Juntamente com outros dois Dreamliners da série -9, ambos da United, ligando Houston a Sydney e Los Angeles a Cingapura, além do Boeing 777-200LR da Qatar Airways ligando Auckland a Doha e o Airbus A380-800 da Emirates ligando Auckland a Dubai, durante alguns momentos, os cinco voos mais longos do mundo estiveram no ar ao mesmo tempo.
Em distância, o DOH-AKL é o atual detentor da marca de voo mais longo do mundo, e o Boeing 777-200LR – LR de “long range” – é um avião que tem quebrado recordes neste sentido há décadas, e com uma tradição que nasceu com o Boeing 767 e com o Airbus A310 no início dos anos 1980, consagrou os bimotores como as máquinas ideais nos voos de longa distância. Bastão que o menor mas muito mais eficiente Boeing 787 vem carregando com desenvoltura, confirmando as expectativas da fabricante e dos clientes numa aeronave extremamente inovadora, mesmo quando comparada com aeronaves mais recentes, como o Airbus A350 e mesmo o Boeing 777X.
Mas esta história, como mencionado, começa bem antes. Um grande paradigma do passado é que aviões com mais motores eram mais seguros. Por muitos anos, décadas, os quadrimotores dominaram os voos longos, e no começo da era do jato, não foi diferente. Conforme os motores foram ficando mais eficientes e confiáveis, no entanto, o desejo e a necessidade da indústria criou o que é conhecido como ETOPS: Extended Range Twin Operations. Pelas regras em vigor desde 1936, uma aeronave não podia ficar a mais de 1 hora de voo de distância de um aeroporto no qual pudesse pousar. Em 1976, a regra mudou para 90 minutos, mas apenas para o Atlântico Norte e a Índia. Em 1989, o 767 ganhou a certificação para 180 minutos, e no ano seguinte, o Airbus A300 conseguiu o mesmo. Em 1991, o Airbus A320 consegue a certificação para 120 minutos, e percebendo as vantagens dessa prática na confiabilidade da frota como um todo, a United certifica seus Boeing 747 sob o mesmo critério. Em 1994, o Airbus A330 entra em serviço já certificado para 120 minutos, e em 1995, o Boeing 777 torna-se o primeiro birreator a entrar em serviço já com a certificação de 180 minutos. Hoje em dia, existem certificações até maiores, mas o conceito que é importante esclarecer é: para que um avião possa operar a mais de 60 minutos de distância de um alternado, o nível de confiabilidade de seus motores e sistemas precisa ser muito superior ao já altíssimo padrão adotado nas linhas aéreas, e por isso, com milhões de horas voadas todo ano sem grandes contratempos, o sistema se prova um passo sem volta na busca de conectar povos e lugares distantes.
Além da própria máquina, naturalmente, a tripulação e os despachantes de voo e mecânicos passam por treinamentos e procedimentos específicos, e mesmo a meteorologia nos aeroportos ao longo da rota é acompanhada de perto durante o voo, e com critérios conservadores no estágio de planejamento, justo para garantir que em nenhum momento o voo perca sua capacidade de seguir em segurança. E com esse caminho aberto pelos céus, os bimotores confirmam sua excelência, nos voos curtos e cada vez mais, nos voos longos também.
Foto: um Boeing 777-200LR atravessa os céus do deserto do Sahara na jornada de 15 horas entre a América do Sul e o Oriente Médio. Ao contrário do que muitos pensam, os voos ETOPS não servem somente para voos sobre o mar, mas qualquer área remota.