A semana dos três continentes

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Desde que me conheço por gente que queria ser piloto, e precisamente piloto de linha aérea. Embora não ignore a performance e mesmo a beleza de aeronaves militares, sempre me atraiu bem mais a ideia de transportar pessoas, conectar o mundo. Quem assistiu o ótimo “Simplesmente Amor”, que começa e termina com uma bela reflexão sobre os reencontros no desembarque de Heathrow, vai entender do que estou falando. A vida seguiu seu curso, e aos 24, concluída minha faculdade de Comunicação, e já estando eu trabalhando como redator publicitário há alguns anos, reencontrei-me com minha paixão da infância. Influenciado por uma colega, Karina, que tinha um blog sobre seu cotidiano de comissária de voo no Brasil, não só passei a considerar como me reinventei, obstinado, na nova profissão. Resumindo um ano de estudo, uma cirurgia de correção de desvio de septo, e muito foco, estava eu aos 25 começando uma relativamente longa carreira de comissário de voo. Voei todo o Brasil, boa parte da América Latina e cheguei até a Florida. E foi lá que, aos 32 anos, me reinventei de novo, em definitivo, como piloto. Foram mais dois anos até eu finalmente começar a voar profissionalmente no meu tão sonhado Boeing 737 Next Generation. Mas, numa base menor, com uma escala mais limitada, os quase três anos que passei exercendo a função de copiloto naquele excelente avião não me levaram muito além das fronteiras da Argentina e Uruguai, ainda assim, um aprendizado valioso. Porém foi apenas recentemente, baseado no Oriente Médio, voando o Boeing 787 Dreamliner, capaz de vencer distâncias muito maiores, que cheguei onde queria estar desde criança. E neste novo engenho de atravessar oceanos e fusos horários, a segunda semana de junho teve um papel especial.

Após retornar do voo a Manchester citado no artigo anterior, era a vez de estrear a rota para Windhoek. A cidade “onde o vento faz a curva” cujo nome desconhecia até poucos meses atrás, estava a mais de nove horas de voo na direção sudoeste, numa rota que cortava o Mar da Arábia, o chifre da África e o coração da própria, para terminar na desolada beleza do Kalahari – “a grande sede”. Com seus desafios inerentes, a etapa foi cumprida com a costumaz segurança, e o day off que teríamos na Namíbia, somado a uma ótima tripulação, revelou-se um dos meus mais memoráveis pernoites em quase 13 anos de aviação. Joe’s Bar na noite anterior, safari pela manhã e visita a um santuário na parte da tarde, rodando mais de duzentos quilômetros nos arredores da encantadora capital, e vendo pessoalmente vários daqueles animais que até então eu só vira num zoológico ou acompanhados da voz do grandioso David Attenborough. Reencontrar o continente de onde veio nossa espécie foi de fato uma das mais emocionantes experiências que a aviação já me proporcionou, e a foto que ilustra esse artigo mostra a paz que estar envolto pela grandeza do continente africano traz. De volta ao Golfo Pérsico, um par de folgas, e parti para Bali. Quase dez horas, atravessando o Mar da Arábia novamente, o subcontinente da Índia, o Golfo de Bengala, o Estreito de Malaca, antes da aproximação matinal em meio aos vulcões fumegantes da Indonésia, uma das mais poderosas e surreais paisagens que já vi da cabine de um avião. No país, que para uns fica na Ásia, outros na Oceania, passei ótimas 24 horas que se dividiram entre uma praia paradisíaca e o descanso merecido e necessário para entrar no fuso horário local e voltar bem disposto na etapa diurna seguindo o sol de volta ao Ocidente. Na manhã seguinte, Cote d’Azur na proa. O terceiro continente da semana seria a boa e velha Europa, num dos seus mais belos trechos. A aproximação em Nice, que como sua saída, exige uma curva acentuada a poucas milhas da pista, lembrou-me os tempos de Ponte Aérea, e a semi-acrobática base para a pista 2R, algo que a aviação de linha aérea está perdendo aceleradamente com suas longas finais. Some-se a isso a belíssima paisagem da cidade francesa entre Cannes e Monte Carlo, e o pacote está completo. Foi nas margens azul turquesas que assisti, com minha esposa e passageira especial, a ótima partida de estreia entre Portugal e Espanha na Copa da Rússia. No dia seguinte, voltei, mas ela seguiu para Paris, onde a encontrei menos de 24 horas depois. O mundo ficou pequeno, e fui para CDG a bordo do maior avião de passageiros do mundo. Mas isso é assunto para outro artigo. Agora peço-lhes licença, tenho que preparar o próximo voo. E nesse levarei a camisa canarinho: essa será a semana da França, mas o jogo é do Brasil.





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