Ares de Copa

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E após duas semanas ótimas de férias revendo a família no Brasil, era hora de voltar a trabalhar. Passados três dias de inglória luta contra o jetlag – zerando ambas temporadas de “La Casa de Papel” nas madrugadas insones do deserto – lá fui eu para o primeiro voo da minha nova temporada: Manchester. Eu já tinha tudo planejado: iria ficar acordado para acertar meu sono, e para preencher o tempo, visitaria dois clássicos, o Concorde e o Nimrod, no pequeno museu anexo ao aeroporto. O ingresso fugidio para o Concorde eu havia adquirido antes pela internet, e o Nimrod eu teria que me contentar em ver de fora. E foi o que aconteceu: ao chegarmos em Manchester tivemos que esperar na taxiway para que vagasse nosso stand, de forma que ficamos exatamente no través do museu – e do Nimrod. Mas muito antes disso, o jogo já havia virado.

Ao chegar ao despacho operacional na noite anterior encontrei meu amigo Guilherme – o mesmo que indicara indiretamente o Quimet&Quimet – indo fazer um bate-volta. “Ah, você vai para Manchester? Pô, aproveita e vai no jogo do Brasil!” Pois então, eu não sou um grande fã de futebol, mas simpatizo com o nível da Copa do Mundo, onde realmente os jogos são bons e há essa aura de competição internacional que é sempre sedutora. Para completar, por eu ter morado em Teresópolis, cultivo uma certa relação com a seleção brasileira, pois é lá que eles treinam antes das Copas, e curiosamente, os havia visto lá e embarcando para a Europa no Galeão, na semana anterior: estar agora, por conta de mais um acaso, tão perto do penúltimo amistoso deles antes da Copa, merecia ser considerado. Comentei com o comandante durante o voo e ele também se empolgou com a ideia. Se fosse fácil e barato, iríamos.

Na chegada a Manchester, um dia lindo e raro: nenhuma nuvem sobre o céu da Inglaterra. Sim, perfeito para ir ao museu ao ar livre, eu sei. Chamamos os comissários, mas nenhum topou. O plano era o seguinte: pegar o trem para Liverpool, o transporte para o estádio do time local, e lá comprar o ingresso para o amistoso contra a Eslovênia. Às 11 da manhã nos encontramos na recepção do hotel, e um a um, cumprimos os objetivos. Embora um pouco confuso no começo, logo entendemos que trens e por quais estações passar para chegar ao centro de Liverpool. Conforme nos aproximamos da cidade, muito torcedores com camisas do Brasil – boa parte deles efetivamente brasileiros – começaram a pipocar aqui e ali, e aí ao invés de perguntarmos, apenas os seguíamos. Com pontualidade e organização britânicas, a missão correu sem sobressaltos. Conseguimos um lugar atrás do canto direito de uma das traves. E parecia combinado: os dois gols da partida, um de Neymar e outro de Firmino, foram justamente naquele canto!

Mas o ponto forte da bela e agradável tarde foi outro. Ver um país tão perdido e sofrido, na maior parte dos seus assuntos, levar milhares de ingleses a um estádio inglês para o assistir jogando o esporte que eles inventaram, deu um sentimento de esperança que eu sinceramente não esperava. A alegria dos locais ao assistir à torcida brasileira fazendo sua costumaz presença, e a emocionante execução do hino nacional brasileiro, acompanhada por um coro de milhares de expatriados, encheram meus olhos de lágrimas. Porque por mais longe que eu esteja, e por mais incrédulo que eu seja, ela é o chão em que nasci, a “pátria minha, tão pobrinha.” Vinícius de Moraes, o poeta e diplomata, definiu tão bem esse sentimento que só posso referenciá-lo.

Nos próximos dias, o que mais exportamos depois de aviões, ferro e soja, será lembrado pelo mundo. O Brasil estará em voga, é o time que todos querem ver jogar, e nós, “os sem pátria”, o veremos aqui no exílio com um sentimento de pertencimento que os que vivem na Terra de Vera Cruz já têm dificuldade em enxergar, tão cansados estão. Nos poucos voos que faço para o hemisfério Sul, poucas coisas me comovem tanto quanto ver o cruzeiro surgir no horizonte. É preciso estar longe para dar valor a certas coisas.

Foto: uma bandeira brasileira se agita no Anfield, a pátria de chuteiras se pôs na marcha inexorável que executa a cada 4 anos.    

 


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