Checkrides

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Uma das minhas expressões prediletas do escritor americano John Green é “it’s a roller coaster that only goes up”. Tente relembrar a última vez que você andou numa montanha russa. Aquela subida, antes da primeira queda, dura uma eternidade. Você fica se perguntando onde estava com a cabeça quando resolveu se voluntariar àquilo. E a ansiedade crescente, que só encontrará a cura ao final do passeio, custa a passar. A sensação anterior a um voo de check não é muito diferente.

Poucas profissões são tão reguladas quanto a de pilotos e comissários. Antes de poder entrar num avião, você precisa passar por uma bateria de exames clínicos, fazer treinamentos em salas de aula e equipamentos específicos, passar em diversos exames teóricos, e então, começar a voar, primeiramente coberto por um outro profissional e só então, continuar sua instrução em voo até, finalmente o voo de check. Só como piloto, já passei por uma dúzia de checks, em cinco modelos de aeronaves e três agências reguladoras diferentes. E estou longe de me livrar da máxima de John Green. Mesmo porque menos de seis anos separam meu primeiro check do último, portanto ainda sou relativamente inexperiente, e há dezenas mais por vir, em média um a cada seis meses.

Você passa meses se preparando, tem uma ideia aproximada do que vai ser avaliado, e como será, mas esta é a parte fácil: com estudo e dedicação, a maioria dos programas de instrução o preparam bem para um voo de check, seja real ou em simulador. O complicado mesmo é controlar a ansiedade. Deixar o Boeing 737 não foi uma decisão fácil. Após mais de 1700 horas de voo, um check inicial e dois rechecks de equipamento, eu já estava bastante confortável nele. Sempre há o que aprender, e mesmo relembrar, pois estas máquinas são complexas o suficiente para nos entreter por décadas, mas o básico do cotidiano fica impregnado após um tempo relativamente curto. Você sabe com desenvoltura operar seus sistemas, gerencia sua energia com facilidade, consegue em algum momento realmente vestir a aeronave. Voar passa a ser prazeroso, intuitivo, e conforme os procedimentos normais se repetem à exaustão e você os incorpora à memória muscular, sobra espaço para você focar, sem grandes perdas de performance, no que não é repetitivo, como a meteorologia, ou eventuais panes. Por isso digo que foi doloroso deixar o Boeing 737. Escolher deixá-lo, e lançar-me ao desafio de voar uma outra aeronave, em boa parte, totalmente nova, sob certa ótica é uma decisão quase tola. Mas é claro, todos nós que mudamos de equipamento, seja por escolha própria, seja por força das circunstâncias, temos motivos bons o suficiente para fazê-lo. E ao mesmo tempo que alguém que passe muitos anos no mesmo avião tende a saber muito sobre aquele modelo, corre-se o risco da complacência, de se confiar demais em si, nos procedimentos e na máquina. O ser humano é movido à novidade: talvez um efeito colateral da nossa alta capacidade de adaptação, característica de inegável vantagem evolutiva. Mas a mágica, dizem, ocorre fora da zona de conforto. E foi para cá que decolei às vésperas do Natal de 2017.

Dois dias atrás, finalmente saí do topo da montanha russa. Após intensos três meses e meio, sendo as últimas seis semanas em voo, passei pelo check do meu novo avião. Uma máquina apaixonante, desafiadora, e que está me levando muito mais longe do que o saudoso 737 poderia. Mas sem tudo que aprendi lá atrás, no jato de linha aérea mais vendido da história, eu não teria como hoje, voar o jato de linha aérea mais avançado do planeta. Que novas histórias incríveis surjam à vista de suas imensas janelas.

Foto: o piloto e spotter Isac Mamede registra a silhueta única de um Boeing 787-8 Dreamliner sob a luz dos céus da Florida. Poder pilotar essa aeronave incrível é ao mesmo tempo, assumir e tirar dos ombros duzentas e vinte e sete toneladas.

 


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