Essa semana comemora-se, no Brasil, o Dia do Aviador. A data foi escolhida por ter sido em 23 de outubro de 1906 o primeiro voo do 14 Bis, de Santos Dumont, na França. Difícil imaginar uma época melhor para discutirmos um tema fundamental: a profissão de piloto vai acabar num futuro próximo?
Todo mundo já viu o robô que pilota um 737 no simulador, e realmente, para a robótica, há avanços incríveis ali. Mas até que ponto estamos perto de sermos substituídos por robôs? Até onde chegou o automatismo que temos hoje nas aeronaves? E qual o papel dos drones nessa história toda?
Sim, não é impressão. Temos mais perguntas que respostas. O assunto se inflamou em dois painéis específicos da LusoAvia, encontro de aviação dos países lusófonos realizado em Lisboa recentemente: sobre drones e sobre empregabilidade. Afinal, de um lado um dos participantes do painel de drones acredita que a profissão de pilotos dura apenas mais uma década, enquanto numa palestra sobre crescimento da aviação mundial, foi exposto que metade dos pilotos que estarão voando em 2027 ainda não foram formados, e que precisaremos de 70 novos pilotos por dia até lá para suprir essa demanda. Aparentemente, alguém está errado.
Os drones realmente são a infantaria no que diz respeito a derrubar empregos: há uma infinidade de funções que hoje são feitas com mais segurança e a um custo menor com drones do que eram, até muito pouco tempo, com aeronaves tripuladas. Seja nos meios militares, seja na segurança pública, no entretenimento, e até na agricultura, em especial os helicópteros estão sendo substituídos pelos drones em muitas frentes. A regulação corre atrás da questão, e algumas universidades, com a Embry-Riddle, já oferecem cursos na área, tanto para engenheiros quanto para pilotos de drones. Os pilotos reais, claro, têm vantagem no aprendizado dessas novas ferramentas, e num futuro quase atual, já há um mercado de trabalho que explode de possibilidades. É certamente algo para ser considerado por quem já voa ou gostaria de voar.
Mas e os voos comerciais? Bom, vamos começar do começo. Muitos leigos têm a ideia, completamente equivocada, de que um avião voa sozinho. Isso não é verdade nem na operação normal, e muito menos numa emergência. Por mais que tenhamos avanços incríveis, que por vezes soam como mágica, os pilotos ainda são essenciais. Sim, um moderno Boeing ou Airbus segura a aeronave no caso de uma falha de motor. Mas só isso, praticamente. Todo o resto, que trará o avião em segurança de volta ao solo, tem que ser feito pelos pilotos. Mesmo na operação cotidiana: poucos procedimentos são tão exigentes quanto os pousos automáticos. Os pilotos precisam monitorar o sistema de muito perto para assumir caso algo saia do planejado, ou seja, ainda não temos uma confiabilidade grande o suficiente para abrir mão das tripulações. E não é só isso: o piloto automático precisa de alguém para programá-lo, reprogramá-lo, desligá-lo, ligá-lo. Falamos tempos atrás aqui na coluna sobre níveis de automatismo. Para certos cenários, dinâmicos e frequentes, as intervenções necessárias no sistema vão muito além do que o automatismo puro é capaz de entregar. Sem falar que, mesmo quando essa tecnologia estiver disponível, levará muito tempo para que as autoridades concordem que são seguras o suficiente para expor centenas de passageiros a elas.
O próprio sistema não está pronto nem sequer sendo já adaptado: operamos num meio, aeroportuário e em termos de espaço aéreo, totalmente dependente da monitoração, controle e intervenção humana direta. Os dois projetos mais avançados das duas maiores fabricantes mundiais, o Airbus A350 e o Boeing 787, cujas entregas de aeronaves novas, capazes de voar por décadas, se estendem por anos à frente, exigem tripulações de dois pilotos. E nenhum projeto num futuro próximo, como o Boeing 77X, que começará a voar daqui a um par de anos, abre mão dessa prerrogativa. E mesmo olhando para o presente: o Boeing 737 foi o primeiro jato de passageiros a extinguir a figura do engenheiro de voo: na década de 1960, a Boeing conseguiu automatizar os sistemas da aeronave o suficiente para que apenas dois pilotos o voassem, tendência que continua nos dias atuais em aeronaves de porte semelhante. No entanto, ainda temos, pelo mundo, muitos aviões voando com engenheiro de voo, notadamente o antecessor do 737, o Boeing 727, em especial nas versões cargueiras. Ou seja, mesmo quando os aviões comerciais sem pilotos surgirem – muitos defendem que incialmente justo no segmento de carga – ainda conviverão por muitas décadas com aeronaves tripuladas no modo como conhecemos hoje.
Por fim, há a discussão se as pessoas entrariam num avião sem piloto. Embora muitos achem que não, eu concordo com Raul Marinho: as pessoas irão se acostumar com a ideia, talvez sequer percebam, a exemplo do que aconteceu com várias linhas de transportes urbanos sobre trilhos, e em breve acontecerá com carros. Essa, honestamente, é a menor das barreiras. O ser humano se adapta muito facilmente a muitas coisas. Claro que se um acidente acontecer, muitas coisas serão revistas e melhoradas, como tem acontecido nos últimos cem anos dessa indústria ainda jovem. Mas inevitavelmente, esse dia chegará. E aí, talvez o avião tripulado fique apenas como diversão de fim de semana, quase um esporte, como se tornaram os barcos à vela. Mas esse devaneio nos leva a talvez um ou dois séculos à frente, de forma que a nossa geração de pilotos ainda, ao meu ver, está garantida.
Sempre que me perguntam se eu teria medo de voar num avião sem piloto, a resposta é simples: a partir do momento que eu embarcar, haverá um piloto a bordo.
Foto: press to have fun: desligar o piloto automático ainda é bem mais que uma opção.
Nota: Todos os textos publicados na secção blogger integram um espaço de participação dos leitores e seguidores, que convidamos para tal. São da responsabilidade do autor, sendo que não expressam necessariamente a opinião da NEWSAVIA.
Então Enderson Rafael, sou mecânico de manutenção de aeronaves, e a nossa profissão Está caminhando para isso também, mas ainda não consigo ver um robô com feeling o suficiente para ter certeza que uma roda com desgaste ainda suporta um dia de vários pousos para ser trocada no pnt, ou um gotejamento de um dreno do motor para fazer um actuator test ou até mesmo identificar durante o trânsito onde está o vazamento hidráulico e como ele pode estancar este vazamento.
Mas acredito que ainda teremos por um bom tempo, mesmo que restrito de número, trabalho e emprego garantido,mesmo que ainda as empresas queiram reduzir ao máximos os números.
Grande abraço..
Com certeza, Alessandro. na verdade, acho que de todos nós, os pilotos estão mais em risco. Afinal, mesmo drones precisam de manutenção. Se chegarmos num nível de robótica em que os robôs se consertam, aí realmente estamos todos em apuros, e apuros bem maiores que o desemprego… um grande abraço, obrigado pelo feedback.
Concordo! Se você ou outro piloto estivesse à bordo, voaria sim! Por que não? KKkkkk, Excelente artigo.
Seja sempre bem-vinda, Lalene!