Os steam gauges ficaram para trás. A geração “video game“, criada no G1000, vai cada vez mais se adaptando aos painéis que a indústria desenvolve, à medida que o fly-by-wire se torna o padrão, a mesinha rouba o lugar da coluna de controle e a própria função do piloto parece ter os dias contados. As duas imagens acima mostram a tendência das próximas décadas: acima o Airbus A350. Abaixo, o Boeing 787. Ambos em momentos semelhantes do voo, com seus modernos flightdecks vistos de ângulo semelhante, com luz externa semelhante. As imagens, tiradas do Youtube, revelam altos níveis de semelhança, mas uma curiosa discrepância.
Após algum conflito de perspectivas na década anterior, agora Boeing e Airbus parecem concordar em muita coisa: o fly-by-wire chegou para valer em Seattle, e até em Renton: os spoilers do 737, o longevo guardião do voo por cabos e polias, são agora, na versão MAX, fly-by-wire. As vantagens são inegáveis na precisão do voo manual, nos recursos de manutenção do voo pelo sistema de piloto automático, nos envelopes de segurança. Some-se a isso a economia de peso e confiabilidade adquirida nos últimos 30 anos e fica óbvio que a Airbus acertou lá atrás ao incorporar algo que até então era exclusivo da aviação militar. Deixando a adoção do sidestick e a eterna briga auto-thrust/auto-throttle de lado, vamos à discrepância mais evidente nas imagens.
Ambas fabricantes já entenderam em toda a sua plenitude que um avião de linha aérea é uma unidade de negócios, e os pilotos são gerentes dessa unidade de negócios que gera milhões, mas tampouco é barata de ser mantida. Porém, a maneira como cada uma encara isso no que diz respeito ao painel frontal, é quase oposta. Repare na profusão de telas que o A350 possui. Há todo tipo de informação – o que é sempre bom ter disponível – mas a tela principal do voo por instrumentos – que é o que um avião de linha aérea faz essencialmente 99% do tempo – continua do mesmo tamanho que tinha no A320 de 1987. O Primary Flight Display, que reúne o attitude indicator (horizonte artificial), velocímetro e altímetro, perdeu relevância à medida que as outras telas ganharam o espaço à frente dos pilotos. E o mais curioso é que, num mundo assombrado pelo Loss of Control In-Flight – já falamos dele em outro artigo – responsável por mais de um quinto dos acidentes da atualidade, a Airbus é a única grande fabricante que ainda aposta nos PFDs de 40 anos atrás.
Não só na aviação geral e executiva, mas também nos aviões maiores, Embraer, Boeing, e recentemente a Bombardier, estão usando PFDs maiores. Com informações dispostas sobre um horizonte artificial enorme, e em alguns casos, até Head Up Display, essas fabricantes parecem apostar num flight deck mais limpo, mais focado no voo, na manutenção da consciência situacional, sem deixar de levar em conta todos os aspectos económicos que são a tona do negócio. A nós pilotos, restará pouco além de voar o avião que nos apareça: a decisão de compra das companhias é muito mais pautada por outros fatores do que pelo gosto que tenhamos por esse ou por aquele modelo. Porém, por mais que seja uma unidade de negócios, com gerentes sentados à frente de computadores num escritório com vista privilegiada, na essência, nós ainda somos aviadores, e aquela máquina ainda é um avião.