Foi ventilado na net que o fim da era do transporte comercial de passageiros em DC-10 terminaria no final de 2013, quando a Biman Bangladesh retirasse os seus últimos dois, e passasse a operar longo curso apenas com Boeing 777 e Airbus A310. A transição para o 777 teve contou destacadamente com a nossa EuroAtlantic Airways, por via de um contrato de wet lease para voar em nome da Biman Bangladesh com o seu 777-200, em 2010.
Finalmente foi anunciado que o último voo comercial seria no dia 20 de Fevereiro, Dhaka para Birmingham via Kuwait, e que depois se fariam voos de despedida em Birmingham (BHX-BHX) só para “malucos”. Como nós. Custava 150 libras por um lugar à janela e 100 por uma coxia, só se vendendo os corredores laterais. O DC-10 tinha uma cabine full economy em configuração 2-5-2, para 390 passageiros, mas deste modo os 152 a bordo não ficariam presos a meio da cabine. A última vez que tinha entrado num DC-10 tinha sido no verão de 1987, num voo Lisboa – Caracas feito pela VIASA. A outra viagem tinha sido 4 anos antes, num Lisboa – Rio, com a VARIG, onde recolhi e ainda atenho a revista número 2. Prometia e comprámos dois bilhetes para o primeiro dos três voos do dia 22, domingo. O último voo da história era do das 16h da segunda feira, seguindo-se o voo de ferry de volta para Dhaka.
Ás 8h da manhã aparecemos no terminal 3 do aeroporto, para fazer check-in no voo BG02. Logo em frente estavam dois balcões exibindo p cartaz do DC-10, com o CEO Kevin Steele a coordenar a manobra. Era evidente a iniciativa foi dele pelo entusiasmo mostrado, e que ser serviu tanto do evento para promoção da abertura da rota DHK-BHX a iniciar em Junho, como para fazer História da aviação.
Fruto talvez da pouca exposição que Birmingham permite, a grande parte do público era inglesa, com alguns germânicos, um francófono e dois da Europa de Leste. Se isto tivesse sido em Heathrow ou Gatwick, numa companhia mais conhecida, garantidamente nunca teríamos conseguido lugar. Depois de passar a segurança avistamos o avião parado na placa atrás da frota da Ryanair, um alívio porque se fosse pela manga não haveria fotos de jeito para ninguém.
Embarcámos de autocarro e fomos até ao pé S2-ACR, um DC-10-30, penúltimo da linha de produção, construído em 1988, e o mais novo dos 446 construídos a voar na altura. Foi entregue na fábrica da McDonnell Douglas em Long Beach, California, à Biman que lhe tinha pintado no nariz “A New Era”. Um pouco irónico porque este avião representa o fim da era do trireactor, longe de ser uma moda em 1988. Tinha ainda as cores antigas da Biman, muito diferentes da pintura esverdeada que ostentou o 777 português, mas mais parecidas com a pintura neoclássica dos novos 777-300.
A elegância do DC-10
É sempre de nível embarcar num wide-body pela escada, dá a ideia de subir para um palácio, e neste caso com a visão do terceiro motor por cima da fuselagem. Lá dentro a cabine mais estranha onde já estivemos, parecia uma selva tropical. Os bancos eram de tecido, com motivos de flores de cores garridas, verdes, amarelos, e laranja, variando ao longo da cabine. A bordo é era a malta a tirar fotos a tudo, interruptores dos ares condicionados, projetores de cinema, placas com instruções de emergência, WCs, cintos, mesas, interior das bagageiras. Muitos dos passageiros eram entusiastas hard core, grandes “pros” no que toca a coleccionar tipos de avião e companhias voados. Ouvimos um esquema para voar no Ilyushin 96 e no Sukhoi Superjet da Aeroflot por 120 euros a partir de Oslo. O Charles Kennedy era o expoente máximo ali dentro, tinha ido a Dhaka só para apanhar o último voo de linha, e pelo que percebemos tinha marcado lugar em todos os voos de despedida. Tinha organizado nove (9!) idas à Coreia do Norte para voar em aviões Russos. O avião atrasou uma hora à saída, segundo o comandante porque estavam a negociar um plano de voo com o ATC e a Eurocontrol, mais tempo para conversas e explorar a máquina. Servem-nos uma garrafa de água e um Capri-Sun, versão inglesa do clássico CapriSonne. Depois põem os motores a trabalhar usando um air starter fumarento, e anunciam qualquer coisa como “Benvindos à Biman Bangladesh, e voaremos com Deus Misericordioso”. As normas de segurança incluíam a proibição de uso de equipamentos eletrónicos, o que gerou a maior gargalhada geral que algum dia ouvimos num avião. E de mascar pastilhas elásticos dentro do avião. A demonstração foi feita pelas assistentes de bordo, que foram mais fotografadas que top-models a desfilar na passerelle. Uns minutos depois descolámos, com a sensação de estar num avião potente, com os seus três General Electric CF6-50C2 a rugir. Mal o avião estabilizou era toda a gente de pé a tirar fotos a tudo, até sentados nos jump seats. O plano era dar umas voltas pela zona de Birmingham, a 24000 pés, mas estava tudo coberto de nuvens baixas. Um dos pontos de interesse era uma tampa de um compartimento de uma bagageira de material de WC, na fila 7, que dizia “Club Empress”. Era o programa de passageiro frequente da defunta Canadian Airlines, de cuja frota a Biman integrou dois outros DC-10. Na galley central vimos uma caixa de metal da Singapore.
Toda a gente a bordo tirou uma fotografia com as assistentes de bordo, algumas delas repetidas com o smartphone das próprias e com o comandante Ahmed que passeava na cabine. O comandante. Ahmed é o Director de Operações de Voo (DOV) da Biman, neste voo apenas figura anfitriã, aos comandos outros comandantes que faziam também a sua despedida, já a voar 777 ou A310. Pouco havia para levar de recordação, a revista de bordo, e o formulário de passageiro frequente. Até que passou o comandante Ahmed pela cabine e deu um certificado de voo a todos os passageiros, assinado pelos dois comandantes a fazer aquele voo. Gesto fantástico, em linha com o excelente ambiente de hospitalidade a bordo, vendo-se que a despedida do DC-10 era também algo que lhes tocava fundo. Soube a pouco apenas uma hora, voltou tudo a sentar-se a aterrámos com um belo vortex na asa. Depois 15 minutos que souberam a pouco a tirar fotos no exterior, antes de regressar ao terminal de autocarro. Havia uma barraca especial numa zona designada do terminal que vendiam memorabilia, desde load sheets do DC-10, t-shirts, miniaturas, folhas de planeamento, tudo da Biman. As recordações deste voo meteram-me numa alhada bem grande, que é história para outro dia. do A ideia da Biman era entregar o DC-10 a um museu na Inglaterra, mas este não tinha espaço, e acabou por regressar a Dhaka. O certificado do avião acabava em breve, e o destino acabou por ser aquele os entusiastas menos gostam de ver. Ao Kevin Steele, que acabou por abandonar o cargo por causa de motivos de saúdes, os nossos agradecimentos por ter proporcionado um dia inesquecível e ter sido capaz de pensar numa ação de marketing verdadeiramente “out-of-the-box”
Galeria
Clássico nariz preto do S2-ACR
Demonstração de segurança
Sandra Silva e José Freitas com a tripulação de cabine
Cockpit com três tripulantes
Desembarque
DC-10
Cabine colorida e projector
Descolagem sobre Birmingham
Tri-reactor
Que voo histórico! Meu instrutor no 737 voou o DC-10 e adorava!