De volta à ponte

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Existem muitos city-pairs famosos no mundo, e cerca de quinze anos atrás, Boeing e Airbus divergiram sobre como aproar esse segmento. O tempo mostrou que a escolha da Boeing com o 787 voando ponto a ponto foi mais acertada que a da Airbus com o A380 e o outrora consagrado hub and spoke. Ninguém gosta de fazer conexão, não é mesmo?

Dentre as cidades próximas, algumas rotas são consagradas. Seja de Nova Iorque para Washington DC, de Londres para Paris, de Lisboa para o Porto ou de Buenos Aires para Montevideo, os exemplos de voos que são a extensão do táxi até o aeroporto num dia comum de trabalho se espalham pelo mundo. E uma das mais clássicas destas rotas está no Brasil, a famosa ponte aérea Rio-São Paulo.

Criada em julho de 1959 por três companhias aéreas, a ponte liga o aeroporto central do Rio de Janeiro, o Santos Dumont, ao aeroporto de Congonhas, na Zona Sul da capital paulista. São meras 196 milhas náuticas em linha reta, um pouco mais considerando os procedimentos de saída e chegada. A combinação mais curta tende a ser decolar da pista 17R de Congonhas e pousar na 20L do Santos Dumont, ou decolar da 20L do Santos Dumont e pousar na 35L de Congonhas. Nesses casos, o voo pode durar pouco mais de meia hora.

Não foi sempre assim, claro, afinal os jatos só entraram na rota em 1992. Antes disso, com muito mais pompa e circunstância, o voo era feito por turbohélices e antes até por aeronaves a pistão. Um dos grandes limitantes das aeronaves a operarem nesses dois aeroportos são as apertadas – ainda que cinematográficas – aproximações para o Santos Dumont e principalmente a curtíssima pista principal do aeroporto carioca, com apenas 1323 metros de extensão. A Airbus chegou a ensaiar, mas o A320 nunca chegou a operar lá. Apenas as variantes A319 e A318 pousam no SDU. Já a Boeing, em parceria com sua principal operadora brasileira, desenvolveu a variante SFP – Short Field Performance – do Boeing 737-800, e a partir de 2006 este se tornou o maior e mais pesado avião a operar no aeroporto, dominando cerca de metade dos mais de cem voos diários entre as duas cidades.

Por causa do relevo acidentado, com destaque para o Corcovado a poucas milhas da perna do vento da 02R e para o Pão de Açúcar na extensão da 20L, a operação no Santos Dumont tende a ser muito dependente de referências visuais, o que compromete a operação em partes do ano onde nevoeiro e chuva são comuns no Rio de Janeiro. Com a impossibilidade de instalar ILS na suas cabeceiras, os procedimentos NDB e mesmo RNAV acabam tendo mínimos altos, e nos últimos anos um esforço tem sido feito para implementar aproximações mais precisas. Com o advento do RNP-AR, baseado em GPS, com precisão de 0.1NM e desenhos em curva, os mínimos caíram para pouco mais de 300 pés, abrindo um mundo de possibilidades. A operação no Santos Dumont é tão exigente que a maioria das companhias permite apenas a comandantes experientes operarem lá, e tanto eles quanto os copilotos precisam de cursos específicos, com aula teórica, sessões de simulador e instrução em rota, para poderem fazer os voos que chegam e saem do pitoresco aeródromo.

Do lado paulista, também existem restrições para copilotos, e as companhias que permitem que eles pousem lá também colocam limites meteorológicos e de experiência. Com 1940 metros, a pista de Congonhas nem é tão curta assim, porém, somando a ausência de área de escape, o pesado tráfego aéreo e a turbulenta aproximação sobre a densamente povoada São Paulo, pousar no aeródromo a mais de 700 metros acima do nível do mar exige uma precisão que requer pelo menos algumas centenas de horas de voo no equipamento.

Ontem, para mim, recém chegado à ponte aérea, foi um dia especial. Meu primeiro voo na idade adulta, de passageiro, foi justo entre Santos Dumont e Congonhas, em outubro de 2004, muito antes de eu entrar para a aviação. Por um capricho do destino, fiz exatamente o mesmo trecho ontem, com o mesmo comandante. Mas dessa vez, ao invés da longínqua 20F de 12 anos atrás, eu sentei no assento da direita da cabine de comando, e gentilmente pousei o Boeing 737 Next Generation em São Paulo eu mesmo.

Foto: no VSD – vertical situation display – do Boeing 737NG, o Pão de Açúcar aparece claramente com seus mil pés acima do nível do mar à frente da pista 20L. Apenas 200 pés após a decolagem, fazemos uma curva de 30 graus para a esquerda para evitá-lo. Uma das muitas peculiaridades da ponte aérea, um micro cosmo dentro da aviação brasileira.   

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