O Tribunal de Justiça da União Europeia decidiu nesta quarta-feira, dia 9 de Setembro, que o Estado Português deve indemnizar cerca de uma centena de antigos trabalhadores da Air Atlantis, antiga companhia aérea portuguesa que era subsidiária da TAP e que foi dissolvida há mais de duas décadas, revela um despacho da agência noticiosa Lusa, em Lisboa. Em causa está a interpretação errada de um conceito previsto numa diretiva europeia por parte do Supremo Tribunal de Justiça português.
No acórdão agora proferido, no Luxemburgo, o tribunal europeu sublinha que o Supremo, que em 2009 declarou que o despedimento coletivo não enfermava de qualquer ilicitude, estava obrigado a submeter ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial sobre o conceito de “transferência de estabelecimento” e não o fez.
A Air Atlantis (AIA) voou entre 1985 (criada em Março deste ano pela TAP sob a designação de ‘Air Atlantis, S. A.’ com a função de dedicar-se aos voos não regulares) e foi dissolvida em 1993, o que levou ao despedimento coletivo de perto de uma centena de trabalhadores, tendo a TAP passado a realizar parte dos voos daquela companhia e a utilizar parte do equipamento que a companhia utilizava nas suas atividades, designadamente quatro aviões, bem como equipamento de escritório e outros bens móveis, tendo ainda contratado alguns trabalhadores da extinta companhia.
Em 2009, na sequência de um recurso interposto pelos trabalhadores, o Supremo Tribunal de Justiça observou que, para haver transmissão de estabelecimento, não basta a “simples prossecução” da atividade, sendo ainda necessário que se verifique a conservação da identidade do estabelecimento.
Alguns dos trabalhadores requereram ao Supremo Tribunal de Justiça que submetesse ao tribunal europeu um pedido de decisão prejudicial, mas o Supremo entendeu que não existia dúvida relevante na interpretação do direito que implicasse o reenvio prejudicial.
O Tribunal de Justiça considerou agora que o conceito de “transferência de estabelecimento” da lei comunitária abrange a situação em causa, pelo que “o Supremo Tribunal de Justiça estava obrigado a submeter um pedido de decisão prejudicial de interpretação do conceito de transferência de estabelecimento”.
“O Tribunal de Justiça recorda que, numa situação relativa ao sector dos transportes aéreos, a transferência de equipamento deve ser considerada um elemento essencial para apreciar a existência de uma transferência de estabelecimento na acepção da diretiva”, sublinhando que a TAP assumiu ainda “a posição da AIA nos contratos de locação de aviões e os utilizou efetivamente, o que comprova que recebeu elementos indispensáveis à prossecução da atividade anteriormente exercida pela AIA”.
A Air Atlantis foi encerrada pela TAP em 1993 sob o pretexto de que iria ser reestruturada, depois de alguns meses de desentendimento com Dionísio Pestana, o empresário da Madeira que é hoje o maior hoteleiro português. Dionísio Pestana tinha entrado para o Conselho de Administração da Air Atlantis, em 1989, por aquisição de uma parte minoritária do capital. Com atividade na ilha da Madeira e no Algarve, zonas que necessitavam de transporte aéreo eficiente para que os turistas chegassem aos seus hotéis com maior facilidade, Pestana envolveu-se no negócio da Air Atlantis. No ano seguinte deu o seu lugar, um dos dois que o grupo madeirense detinha no Conselho de Administração da companhia de voos não regulares, a Tomás Metello, antigo quadro superior da TAP, pessoa bem conhecedora do meio. As relações entre os sócios TAP e Grupo Pestana, a partir de então nunca foram muito boas, pois estavam em confronto duas conceções distintas do negócio, por via da extrema governamentalização do sócio TAP.
Logo que a TAP decidiu encerrar a Air Atlantis, Dionísio Pestana e Tomás Metello que defendiam a mudança de estatutos da companhia para poder realizar voos regulares, contra a posição dos representantes do acionista Estado Português, resolveram criar a Air Zarco, empresa que deu origem à atual Euro Atlantic Airways.